sexta-feira, 27 de maio de 2016

Considerações sobre a proposta para o limite de gastos do governo



O Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, anunciou recentemente as primeiras medidas para reequilibrar as contas públicas. A principal delas diz respeito à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que será enviada para apreciação no Congresso Nacional, cujo objetivo é limitar o avanço da despesa primária federal à inflação registrada no ano anterior. Caso seja aprovada, os dispêndios em 2017 poderão crescer, no máximo, 7,04%, caso as expectativas de mercado contidas no Relatório FOCUS para o IPCA se confirmem. Convém lembrar que essa medida só se tornará efetiva mediante revogação das vinculações constitucionais e legais, que exigem o cumprimento mínimo de gastos em determinadas áreas.


Apesar de não ser recente, as discussões em torno desse tema nunca surtiram efeito prático. O objetivo desse post é simular a evolução da despesa da União se algum tipo de contingenciamento tivesse sido aprovado no passado.


O gráfico abaixo contempla três séries históricas. A primeira diz respeito aos valores anuais efetivos do dispêndio primário federal como proporção do PIB desde 1997. A segunda mostra o que aconteceria se a proposta dos antigos ministros Antônio Palocci (Fazenda) e Paulo Bernardo (Planejamento) fosse implementada pelo governo Lula, a partir de 2006. Nesse caso específico, os dispêndios estariam vinculados ao crescimento do PIB, o que significa que a relação entre ambos não se alteraria ao longo do tempo. Entretanto, a proposta foi barrada pela então chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que afirmou naquela oportunidade que “gasto corrente é vida”. Em 2015, a diferença entre o realizado e esse primeiro cenário é de 1,8 ponto percentual do PIB. Isso responde por aproximadamente 2/3 do déficit primário máximo esperado pelo governo nesse ano (R$ 170,5 bilhões).

Despesa primária federal (efetiva e simulada)
(Em % do PIB)


Por sua vez, a simulação 2 considera a hipótese segundo o qual a regra proposta pelo atual governo já estivesse em vigor desde 2006. A medida representa um controle muito maior em relação à limitação pelo PIB. Em 2015, a diferença em comparação com os gastos primários efetivos alcançaria 8,1% do Produto Interno Bruto. Isso responde por cerca de 90% do déficit nominal do governo projetado para 2017, ou seja, aquele que inclui o pagamento dos juros da dívida.


As hipóteses assumidas em ambos os casos incluem o cumprimento efetivo das regras, além da manutenção dos valores referentes ao PIB e ao IPCA. Apesar da simplicidade das contas, é possível ter uma ideia da mudança de trajetória dessa variável fundamental. O fato de termos ignorado a janela de oportunidade na década passada para reformar o gasto público nos obriga a proceder um amplo ajuste fiscal em plena recessão.

Fonte dos dados: 

Despesas primárias efetivas (Ministério da Fazenda)
PIB (IBGE)
IPCA (SGS-BACEN)

terça-feira, 17 de maio de 2016

Resultados das medidas de Macri no comércio exterior da Argentina



Desde o início do seu mandato, o Presidente da Argentina, Maurício Macri, pôs em marcha inúmeras medidas no campo econômico. Algumas produziram resultados em curto espaço de tempo, especialmente no comércio exterior. O objetivo desse texto é analisar de que forma esse setor reagiu às mudanças de política ao longo dos primeiros meses de 2016.


O governo anterior mantinha a cobrança de imposto de exportação sobre várias mercadorias de origem agropecuária, sob a alegação de evitar crises de desabastecimento. Entretanto, a boa teoria econômica prega que o setor externo da economia é fundamental, principalmente para superar crises no mercado interno. Macri, ao contrário de sua antecessora, determinou que as alíquotas incidentes sobre o trigo e o milho (de 23% e 20% respectivamente) fossem reduzidas para zero. No caso da soja, também houve queda: de 35% para 30%, beneficiando todo o complexo.


De acordo com as estatísticas do INDEC, os embarques de óleo e farelo de soja cresceram, respectivamente, 72,1% e 22,0% entre janeiro e março desse ano em comparação com o mesmo período de 2015. As vendas externas de milho avançaram 62,6%, enquanto as de trigo foram 68,6% maiores nessa base de comparação. Somente esses 4 produtos adicionaram US$ 1,5 bilhão ao país, valor que representa 11,5% de tudo o que a Argentina exportou no período até o levantamento mais recente.


A ex-presidente Cristina Kirchner também controlava a taxa de câmbio, mantendo-a em patamares mais baixos (sobrevalorizados) em relação às condições de mercado. O objetivo era ajudar no controle da inflação, dado que os bens importados ficam relativamente mais baratos na moeda local. Macri, por sua vez, optou por liberar a cotação, que agora flutua de acordo com a oferta e a demanda. Um dólar, que valia aproximadamente 9,5 pesos no início de novembro do ano passado, agora vale mais de 14 pesos, gerando aumento da rentabilidade das vendas no exterior. Para compensar a pressão sobre a inflação, o governo já diminuiu vários subsídios referentes aos serviços públicos, como transporte e energia.


Além disso, decretou-se o fim das Declarações Juramentadas Antecipadas de Importação (DJAI’s). Esse instrumento era utilizado como poderosa barreira à entrada de produtos adquiridos no exterior pela Argentina, capaz de incidir sobre qualquer mercadoria. O governo decidiu substituí-lo pela Licença Não Automática (LNA), restrita a um conjunto menor e conhecido de mercadorias. O Brasil tende a ser beneficiado com essa medida, uma vez que a Argentina é o terceiro principal destino das nossas exportações. Convém lembrar também que muitas cadeias do processo produtivo dependem da aquisição de insumos no exterior, o que deve destravar alguns importantes setores do país vizinho. 


Em suma, as novidades no comércio exterior da Argentina são promissoras. Outros avanços dependem, basicamente, de acordos comerciais que facilitem o intercâmbio de bens e serviços. Talvez o mais promissor seja o do Mercosul com a União Europeia, que deverá sair do papel nos próximos meses.

sexta-feira, 13 de maio de 2016

O que esperar do governo Temer no campo econômico?



O plenário do Senado Federal deu prosseguimento ao processo de impeachment de Dilma Rousseff, o que resultou em seu afastamento por até 180 dias. Não restam dúvidas de que esse é um caminho irreversível, até porque a oposição já conseguiu a maioria qualificada (dois terços do total de 81 votos) para aprovar seu impedimento de forma definitiva no julgamento vindouro.


Ao longo de sua primeira fala como Presidente da República, Michel Temer deu grande ênfase para a situação da economia brasileira. Mas, diante de toda a complexidade do atual cenário, o que é possível esperar ao longo dos próximos dois anos e meio de governo? O objetivo dessa carta é mostrar que os desafios impostos à nova gestão são monumentais, a despeito de alguns fatores positivos e do excesso de otimismo de alguns analistas.


Por um lado, é inegável a existência de grande ociosidade da capacidade produtiva, tanto em termos de mão de obra, quanto em relação ao grau de utilização do maquinário instalado das empresas. Após 2 anos consecutivos de queda no PIB, o efeito estatístico favorece o crescimento, uma vez que a base de comparação se encontra bastante deprimida. Além disso, o novo governo conta com a possibilidade de uma rápida reversão das expectativas dos agentes, caso os primeiros acenos sejam promissores.


Entretanto, o governo Temer vai ter de lidar com dificuldades monumentais. Talvez a principal seja no campo fiscal, dado que o rombo esperado nas contas públicas (conceito primário) é de aproximadamente R$ 100 bilhões. O blog “Economics For Real” já demonstrou que a maior parte dos gastos do governo é obrigatória, ou seja, apresenta elevado grau de rigidez. Ademais, muitos veículos de comunicação divulgaram recentemente estimativas dos chamados “esqueletos”, ou seja, dos prejuízos gerados pela má administração econômica do PT que não foram contabilizados porque ainda estão em processo de consolidação. Entre os exemplos estão as capitalizações necessárias para a Petrobrás, Caixa Econômica e Eletrobrás, a renegociação da dívida estaduais, além da possível inadimplência do FIES e dos problemas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). As projeções mais conservadoras mostram que essa conta é de R$ 250 bilhões.


Temer também sinalizou com duas reformas essenciais do ponto de vista econômico: a reforma trabalhista e da Previdência. Ambas são vitais para o Brasil: a primeira para elevar a produtividade, enquanto a segunda ajudará a garantir a sustentabilidade das contas públicas a médio e a longo prazo, evitando que a trajetória da dívida governamental continue ascendente. Todavia, é necessária a formação de uma ampla maioria para aprovar essas medidas. Muito pouco se avançou sobre esses temas ao longo de 20 anos e, mesmo governos que contaram com grande popularidade, não se engajaram nessa plataforma.


Outro fator que pode impactar negativamente o governo de Michel Temer diz respeito aos desdobramentos da Operação Lava-Jato no âmbito político. O aprofundamento das investigações pelos órgãos competentes pode ser devastador para o novo governo, gerando instabilidades que podem arruinar a governabilidade e impedir avanços.

Em suma, apesar de contar com elementos positivos que favorecem uma retomada conjuntural, os desarranjos econômicos são graves e podem piorar substancialmente caso não sejam adotadas medidas em curto espaço de tempo. As próximas semanas serão cruciais, pois indicarão o ritmo que o governo quer ditar. A política, portanto, seguirá dominando a economia.

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Ajuste fiscal doloroso – Lado das despesas



Ao longo de 2015, muito se ouviu falar a respeito do ajuste fiscal, ou seja, da necessidade de readequação das despesas governamentais em relação à arrecadação de impostos. Essa era uma medida de política econômica fundamental, uma vez que as receitas diminuíram substancialmente ao longo de 2015, em linha com o processo de retração da atividade econômica. Todavia, as contenções dos gastos foram marginais e serviram apenas para impedir um resultado ainda pior das contas do Setor Público (União, estados e municípios): déficit de 1,9% do PIB no conceito primário. Mesmo que o pagamento das chamadas “pedaladas fiscais” seja desconsiderado para fins de apuração, ainda assim, o rombo teria sido maior em relação ao de 2014 (-0,6% do PIB).


O objetivo desse texto é mostrar como o engessamento dos dispêndios da União dificultam as tentativas de controle da sua expansão.
 

Os gastos governamentais podem ser divididos de duas formas. Os chamados “obrigatórios” têm como principal característica a garantia de realização por dispositivos legais ou constitucionais. Nessa rubrica, é possível destacar, por exemplo, as transferências para estados e municípios, os benefícios da Previdência Social e o pagamento de salários e encargos. Já os “discricionários” permitem flexibilidade por parte do gestor com relação à execução. Nesse caso, estão incluídos o custeio do governo e os investimentos.


O gráfico abaixo mostra a evolução da participação dos gastos considerados obrigatórios no total da despesa primária do governo federal ao longo dos últimos anos. Os dados foram retirados de uma apresentação recente feita pelo Ministério da Fazenda. Ainda que somente uma parte dos gastos totais do Setor Público seja levada em consideração, essas informações já fornecem uma importante dimensão do problema analisado.

Participação dos gastos obrigatórios no total da despesa primária do governo federal
(Em %)
 


Há dois elementos que chamam a atenção na série histórica acima. Em primeiro lugar, o peso das despesas obrigatórias é muito elevado. Por exemplo: de cada R$ 4 de gasto primário federal, mais de R$ 3 são rígidos. Em segundo lugar, essa proporção praticamente não se alterou ao longo dos últimos anos. O governo federal, portanto, ao longo dos últimos 14 anos, não se engajou em um esforço de reforma na composição dos seus dispêndios. Isso não ocorreu nem mesmo em períodos de intensa crise (como em 2009 ou no período 2014-2015), onde há maior propensão para a ocorrência de mudanças estruturais.


A explicação para esse fenômeno passa pelo elevado grau de rigidez das despesas obrigatórias. Eventuais alterações em sua estrutura apresentam custos políticos, uma vez que requerem a formação de uma maioria para sua alteração. A tarefa é ainda mais complicada quando há garantia Constitucional, pois necessita-se de maioria qualificada (2/3 do total dos votos) nas duas casas do Congresso Nacional (duas votações na Câmara e no Senado), além da chancela da Presidência. Em função dessa característica, o ajuste fiscal acaba recaindo sobre as despesas discricionárias, pois essas podem ser alteradas de acordo com a vontade do governo. No entanto, essa ação acaba, muitas vezes, penalizando os investimentos produtivos.


É fundamental, portanto, alterar a estrutura do gasto público, de modo a torna-lo menos rígido. Todavia, isso requer um grande consenso em torno de sua importância para equilibrar as contas do governo. Trata-se de uma reforma essencial para gerar crescimento econômico sustentado no futuro.