O
governo anunciou recentemente que planeja enviar para o Congresso Nacional uma Medida Provisória que
muda as regras do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O objetivo é que o montante equivalente a 10% do saldo acumulado, além da multa
aplicada sobre os trabalhadores demitidos sem justa causa (40%) seja utilizado como
garantia para o financiamento do crédito consignado. Na avaliação
dos formuladores de política econômica, essa medida pode ajudar o Brasil a sair da crise. O objetivo desse artigo é debater o real alcance dessa proposição.
Um ponto de partida razoável para avaliar o impacto potencial dessa MP é analisar os
dados referentes ao saldo de crédito voltado para a pessoa física na modalidade
consignado, de acordo com o Banco Central. São três grandes grupos:
empregados no setor privado, público e beneficiários do INSS. A distribuição
para o mês de dezembro de 2015 mostra que a maior parte dos recursos foram
direcionados aos dois últimos (não houve alterações significativas nessa composição ao longo dos
últimos anos). Isso se explica pelo fato de que a estabilidade está constitucionalmente assegurada para os estatutários, enquanto aos aposentados e pensionistas é garantido o recebimento dos seus benefícios. Por outro
lado, os celetistas podem ser demitidos a qualquer momento, gerando incerteza sobre o fluxo de caixa futuro.
Distribuição do saldo de crédito para pessoas físicas - modalidade crédito consignado
(Dezembro de 2015)
Outra etapa da investigação envolve a comparação entre o estoque de trabalhadores da Administração Pública, o número de beneficiários do INSS e a estimativa de demissão de
trabalhadores em 2016. Cabe ressaltar que somente para esse grupo será possível utilizar o percentual máximo previsto (50%). Aqui, assume-se que a lei não será retroativa, ou seja,
valerá somente para os que ficaram desempregados a partir de sua publicação. Tomando como base a previsão de destruição de postos de trabalho da LCA Consultores (1,46 milhão) e as estatísticas do Ministério da Previdência Social e da RAIS, a diferença do terceiro grupo para os demais é substancial.
Total de vínculos formais de trabalhado da Administração Pública (2014), número de beneficiários do INSS (2014) e expectativa de demissões para 2016
(Em unidades)
No entanto, as informações supracitadas, por si só, não são suficientes, uma vez que é
necessário levar em consideração a média salarial dos trabalhadores do setor privado e do público (que servem como base para a composição do valor do FGTS).
Ainda de acordo com os vencimentos médios mensais disponíveis na RAIS (que incluem férias e 13º salário), os estatutários ganham, em média, 60% a mais em comparação com os celetistas. Tanto pela quantidade quanto pelo rendimento, a base de incidência para o conjunto de interesse é bem menor.
Vencimentos médios mensais por trabalhador em 2014
(Em R$ de 2014)
Por fim, é necessário ponderar o impacto referente aos 10% do saldo do FGTS. O patrimônio do Fundo, de acordo com as informações da Caixa Econômica, é de R$ 400 bilhões. Ou seja, o teto máximo teórico do impacto da medida é R$ 40 bilhões. Algumas notícias dão conta que o governo espera gerar até 6 bilhões em crédito. Fica evidente que o choque gerado sobre a economia é
diminuto, uma vez que esse valor representa apenas 2,2% do total de crédito consignado para pessoas físicas. Além disso, sabe-se que o cerne da atual crise não diz respeito à
ausência de crédito, mas sim a deterioração do quadro fiscal, aliado à
turbulência política.
Fontes:
Distribuição do saldo do crédito consignado (BCB - Quadro 6)
Número de trabalhadores da Adm. Pública e vencimentos mensais médios (RAIS)
Beneficiários do INSS (Ministério da Previdência Social)