terça-feira, 31 de março de 2015

O racionamento de energia elétrica no Brasil: aspectos econômicos

O post de hoje aborda a questão do racionamento de energia elétrica no Brasil.


Entre os vários motivos que podem ser apontados como causas do atual racionamento de energia elétrica no Brasil, estão:


1º) Ampla dependência da geração proveniente de hidrelétricas (modal responsável por 83,2% do total, segundo a ANEEL), o que condiciona o seu desempenho à existência de um clima favorável.


2º) Investimentos insuficientes ao longo dos últimos anos.


3º) MP 579, que alterou o marco regulatório do setor. Em 2012, o governo permitiu que as geradoras e distribuidoras estendessem o período de concessão dos seus serviços, desde que houvesse uma redução de 20% das tarifas. Isso provocou uma piora substancial da saúde financeira das empresas, que precisaram ser resgatadas com recursos públicos. Não houve, portanto, qualquer espaço para investimentos por parte dessas.


4º) Escassez de chuvas ao longo dos últimos meses.


A combinação desses fatores já tem causado um racionamento significativo para tentar refrear o consumo de energia. Entre as formas possíveis de conduzir esse processo, estão: (i) interrupção no fornecimento da energia em determinados períodos do dia, (ii) elevação dos preços das tarifas ou (iii) uma combinação de ambos. Atualmente, a segunda forma tem sido a predominante.


Todavia, a situação em termos de necessidade de contingenciamento do consumo de energia poderia ser muito maior. O gráfico abaixo mostra a correlação existente entre a atividade econômica (PIB) e o consumo de energia elétrica, ambos calculados a partir da variação percentual acumulada em 4 trimestres. Portanto, como o Brasil vive um período recessivo, isso acaba ajudando, naturalmente, a puxar o consumo para baixo. Caso contrário, o problema seria ainda muito maior.
PIB e consumo de energia elétrica
(Var. % acumulada em 4 trimestres)

É interessante notar que, ao longo da maior parte da série histórica, o PIB foi inferior ao consumo de energia. Isso sugere que esse acaba funcionando como um limitador (teto) para a expansão da produção.
Fonte: PIB (IBGE) (Série 1620 do SIDRA)
Consumo de energia elétrica (Eletrobras) (série disponível no IPEADATA).

quinta-feira, 26 de março de 2015

Inflação: um fenômeno monetário

A teoria econômica comumente aceita propaga que a inflação apresenta uma causa bastante definida: o aumento do estoque de moeda numa velocidade superior a da produção, que, em última análise, é determinado pelo governo. O motivo é que esse detém o monopólio da emissão de moeda. No entanto, essa visão não é compartilhada por outras escolas de pensamento econômico. No Brasil, na época da hiperinflação, chegou-se a dizer que a inflação não tinha uma causa determinada.

Mas qual é a racionalidade por trás de um aumento persistente do nível geral de preços da parte do governo? Até que ponto isso é benéfico? Aqui, recorre-se ao décimo princípio elementar de economia, que consta no livro de Gregory Mankiw (Introdução à Economia), professor de Harvard. No curto prazo, ou seja, quando os preços apresentam uma rigidez originada de contratos, é possível estimular a atividade (diminuindo a taxa de desemprego) através de uma injeção de recursos via impressão de moeda. No entanto, na medida em que esses acordos são substituídos por outros que já incorporam a inflação mais elevada, o efeito positivo sobre a desocupação deixa de existir. Dito de outra forma, não existe mais dilema (tradeoff) entre inflação e desemprego no longo prazo. Outro fator diz respeito à geração do chamado imposto inflacionário, que consiste na transferência de renda do contribuinte para o governo quando esse emite moeda para financiar os seus gastos.

O gráfico abaixo mostra a relação entre o estoque de moeda (agregado monetário M1) e o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – Núcleo por Exclusão, que desconsidera os preços dos bens monitorados e dos alimentos no domicílio (ambos calculados a partir da variação percentual acumulada em 12 meses). Utilizando-se o artifício de adiantar em 9 meses a variação do primeiro, sugere-se que esse é um indicador antecedente para a inflação, da mesma maneira que a confiança está para os investimentos.

Estoque de moeda (M1, adiantada em 9 meses) e IPCA - Núcleo por Exclusão (sem monitorados e alimentos no domicílio)
(Var. % acumulada em 12 meses)

Como o M1 tem crescido a taxas menores ao longo dos últimos meses, a inflação do grupo de produtos considerados pelo IPCA - Núcleo por Exclusão deverá seguir a mesma tendência ao longo de 2015. No entanto, o índice cheio do IPCA deverá encerrar o ano alta em função de dois grandes motivos: (i) a recomposição dos preços dos produtos monitorados e (ii) o repasse do câmbio desvalorizado para a inflação, naquilo que é conhecido por efeito pass-through.

Fonte: M1 (BCB). Série 1827 do SGS.
IPCA - Núcleo por exclusão (BCB). Série 11427 do SGS.

quinta-feira, 19 de março de 2015

A relação entre os preços das commodities e a taxa de câmbio

O objetivo desse post é analisar a relação dos preços das commodities e a taxa de câmbio.

Entre 2003 e 2010, observou-se um ciclo de forte expansão dos preços dos produtos básicos (commodities) no mercado internacional, numa trajetória que foi interrompida brevemente pela crise financeira de 2008. O ano de 2011 é o da inflexão, no qual os preços caem, depois se mantêm estabilizados até 2013 e recuam novamente ao longo de 2014.

A principal razão para a elevação desses no primeiro período diz respeito ao choque que gerou um amplo descasamento entre a oferta e a demanda, com a segunda avançando muito mais rapidamente que a primeira. Essas mercadorias eram fundamentais para sustentar as taxas de crescimento econômico da China que, ao longo da década passada, superavam com facilidade a casa dos 10% a.a.. O período também coincide com a ampla expansão da liquidez internacional. Todavia, a partir de 2011, a China começa a dar sinais mais claros de desaceleração econômica. Como as evidências apontavam que esse seria um processo que continuaria ao longo dos anos seguintes (e não um choque transitório), os preços responderam negativamente.

As commodities apresentam especial importância para explicar o comportamento da taxa de câmbio porque apresentam um peso importante na pauta de exportação brasileira. Os produtos básicos, em 2000, respondiam por 22,8% da pauta, enquanto que, em 2014, essa fatia alcançou 48,7%, segundo os dados do MDIC. Ou seja, trata-se de um determinante que ganhou muita importância para explicar o comportamento da cotação da moeda nacional em termos da moeda estrangeira.

O gráfico abaixo mostra a relação existente entre as duas variáveis. Nesse caso, utiliza-se o artifício de inverter o eixo da taxa de câmbio. Com isso, a correlação existente entre as duas séries fica mais clara: por exemplo, quanto maior o preço das commodities, mais valorizada (menor) é a taxa de câmbio, em decorrência do aumento da oferta de dólares. O resultado é um enfraquecimento relativo da moeda estrangeira em comparação com a doméstica (Reais).

Índice de preços de commodities (não-combustíveis) e taxa de câmbio (escala invertida)
(Número Índice - jan/05 = 100 e R$ / US$)



O que se percebe também é que, a partir de 2012, a taxa de câmbio se descola dos preços das commodities. Outros fatores, portanto, acabaram exercendo influência sobre a primeira. Entre as possíveis causas desse descasamento estão o crescente rombo das contas externas brasileiras, além das perspectivas de baixo crescimento da economia e da deterioração de indicadores de solvência externa (como a dívida com agentes estrangeiros como proporção das nossas exportações).

Fonte: Taxa de câmbio - Banco Central (Série 3698 do BCB)
Preço das commodities (FMI)

terça-feira, 10 de março de 2015

Impactos econômicos da greve dos caminhoneiros

O objetivo desse post é analisar alguns dos impactos econômicos da greve dos caminhoneiros brasileiros, ocorrida no mês passado.

No dia de hoje foram divulgados os dados referentes ao fluxo de veículos (tanto leves, quanto pesados) nas estradas brasileiras no mês de fevereiro. As informações são da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), em parceria com a Tendências Consultoria. O cálculo da variação anual (mês de referência em comparação com o mesmo período do ano anterior) do fluxo de veículos pesados aponta que, em fevereiro, houve a maior queda nessa base de comparação desde que a pesquisa começou, em 2000: -15,5%. Trata-se de uma consequência direta da greve dos caminhoneiros ocorrida no mês passado, que interrompeu o tráfego em importantes vias brasileiras.

Fluxo de veículos pesados - Var. % anual

É importante notar que essa variável guarda uma valiosa correlação com a produção industrial do Brasil, compilada pelo IBGE. Novamente, mostra-se a variação anual. Outro fator interessante é que as duas séries, especialmente a partir do segundo semestre de 2012, apresentam mudanças cujas magnitudes são relativamente próximas. Nessa base, portanto, é possível esperar uma queda da produção industrial no mês passado que gravite em torno de 15%, com alguma margem para outros efeitos que não são capturados somente por uma única variável.

Fluxo de veículos pesados e produção industrial - Brasil - Var. % anual
 

Na variação em 12 meses, o impacto também é bastante significativo. A série do fluxo de veículos pesados, que vinha caindo 3,0% até janeiro, passa a cair 4,9% fevereiro. Ao que tudo indica, esse movimento também deve ser acompanhado pela produção industrial.

Fluxo de veículos pesados e produção industrial - Brasil - Var. % acumulada em 12 meses

A tendência é de que, em março, a situação retorne para a normalidade, a partir do fim das paralisações. No entanto, o dado muito fraco de fevereiro para o fluxo de veículos pesados sinaliza que o número da produção industrial também será ruim para o mês (temos, aqui, um típico caso de indicadores coincidentes), contribuindo para comprometer o resultado do ano. Esse é mais um elemento que irá prejudicar a indústria em 2015, que vem sofrendo com a conjuntura bastante desfavorável – retirada dos incentivos fiscais e monetários, duplo racionamento (água e energia), aumento de tarifas – e com os já conhecidos problemas estruturais.

Fonte: Produção Industrial - IBGE (Tabela 3653 do SIDRA)
Fluxo de Veículos Pesados - ABCR (Link aqui)

quinta-feira, 5 de março de 2015

A relação entre investimentos e importações

Esse post procura entender a relação existente entre o investimento na economia (formação bruta de capital fixo) e as importações.

O gráfico abaixo mostra as duas séries (em volume, ou seja, desconsiderando o efeito dos preços) desde 1991 até o dado mais recente (terceiro trimestre de 2014). A correlação existente entre ambas é muito forte e suscita um debate interessante sobre as razões que podem explicar esse fenômeno.

Investimento (formação bruta de capital fixo) e importações - volume
 (Número-índice: 1ºT de 1991 = 100)

Algumas das possíveis hipóteses são:

1º) Manutenção de uma taxa de câmbio bastante valorizada entre 1994 e 1998 (política de âncora cambial do Plano Real) e tendência de valorização do câmbio entre 2003 a 2011, incentivando a compra de bens que elevem a capacidade produtiva.

2º) A baixa taxa de poupança doméstica do Brasil para fazer frente à necessidade de investimento. Diante disso, torna-se necessário utilizar as economias de recursos advindas de outros países.

3º) A falta de competitividade da economia brasileira, em razão do crescente aumento dos custos de produção, gerando produtos substitutos nacionais mais caros, ou simplesmente ausência de fabricação local de certos bens/componentes.

Uma consideração importante precisa ser feita a respeito do primeiro ponto. Se essa conjectura for verdadeira, por que então observa-se a manutenção dessa relação mesmo com o processo de desvalorização cambial iniciado no segundo semestre de 2011?

Entre as respostas possíveis, o terceiro ponto aqui levantado pode ganhar força. A taxa de câmbio, mantida em patamares sobrevalorizados por muito tempo, pode ter gerado um “vício” nos importadores, de tal sorte que o processo de substituição do produto importado pelo produto nacional, mesmo sendo posto em marcha, pode levar um período de tempo considerável para ocorrer (ou simplesmente não ser vantajoso economicamente). Dessa forma, mesmo com o aumento absoluto dos custos com o Real mais fraco, ainda assim vale a pena realizar compras de mercadorias no exterior com a finalidade de aumentar a capacidade produtiva.

Fonte: Investimento (IBGE) - Série 1620 do SIDRA.
Quantum de importação (FUNCEX) - Disponível no IPEADATA.