quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Notas e perspectivas sobre a política monetária internacional

A evolução do cenário internacional impôs grandes desafios aos investidores de todo o planeta ao longo dos últimos anos. Desde a crise financeira de 2007/2008, inúmeros países lançaram mão de políticas monetárias cujo expansionismo não encontra precedentes. A redução das taxas de juros para mínimas históricas e as maciças injeções de liquidez, sobretudo nas nações desenvolvidas, causaram a reprecificação dos preços dos ativos em escala global. Diante desse quadro, os poupadores aumentaram seu apetite pelo risco, buscando retornos mais altos em outros mercados que, até então, não eram alvo dos holofotes.

Várias janelas de oportunidades surgiram desde então, propiciando ganhos consistentes em diversas modalidades de investimento. No entanto, a complexidade do cenário geopolítico e econômico diante dos acontecimentos recentes requer atenção e monitoramento constante. Nos Estados Unidos, por exemplo, o ciclo de aperto da política monetária é uma realidade, mas sua intensidade ainda suscita grandes questionamentos. As projeções de mercado, de acordo com o CME Group, foram sistematicamente revisadas para baixo no passado recente: em setembro de 2013, as fed funds projetadas 3 anos à frente eram de 2,0% ao ano. Em setembro de 2016, enquanto a taxa efetiva era de 0,25% a.a., a esperada para 2019 atingia, apenas, 1,0% ao ano.

As perspectivas mudaram desde a eleição de Donald Trump, gerando aumento dos rendimentos dos títulos da dívida soberana de 10 anos dos EUA em 0,8 ponto percentual. Esse movimento pode ser interpretado pela crença dos investidores de que o plano do presidente eleito para alavancar o crescimento econômico americano seja bem-sucedido, o que naturalmente pressiona a inflação e, consequentemente, os juros.

Nos demais regiões do mundo desenvolvido, a tendência é de que o pé siga no acelerador. A elevada incerteza, as dificuldades estruturais para a geração de crescimento sustentado e a necessidade de distensionar o mercado de crédito devem gerar novas medidas de expansão da liquidez, principalmente na Zona do Euro e no Japão. Portanto, de uma maneira geral, o mundo deverá seguir dominado pela farta liquidez, mas novos desdobramentos, sobretudo no âmbito político, podem alterar esse quadro.

domingo, 27 de novembro de 2016

Objetivos contraditórios: estimular a economia ou conter a inflação?

O Conselho Monetário Nacional, formado pelo presidente formado pelo ministro da Fazenda, ministro do Planejamento e o Presidente do Banco Central do Brasil, determinou recentemente o aumento dos limites para o financiamento de imóveis via FGTS.

Essa política tem efeitos expansionistas diretos sobre dois importantes setores - imobiliário e construção civil -, além de outros impactos indiretos sobre a cadeia. Analisando somente o lado real da economia, a medida faz sentido, ainda mais no atual contexto de forte recessão pelo qual atravessamos.

No entanto, é importante lembrar que um dos principais objetivos do Banco Central, dentro do sistema de Metas para a Inflação, é assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda. Ao elevar o teto para os financiamentos imobiliários através do FGTS, a demanda tende a aumentar, o que gera pressões sobre o nível geral de preços. Eventuais ajustamentos promovidos pelo ajuste da oferta são lentos, algo especialmente válido para os dois segmentos em questão.

A falta de coordenação entre as políticas foi um problema recorrente ao longo dos últimos anos, sobretudo na Administração Rousseff. Não serviu para gerar crescimento nem contribuiu para segurar a inflação. 

Os objetivos de política econômica, portanto, precisam ser consistentes.

http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2016/11/governo-aumenta-limite-para-financiamento-de-imoveis-pelo-fgts

Mais milionários em tempos de crise?

A manchete parece contraditória em uma primeira análise, mas não é. E você sabe qual é um dos principais fatores responsáveis por isso? A inflação alta.

Diferentes grupos e agentes têm a possibilidade de se proteger contra o aumento persistente do nível geral de preços. Vamos analisar cada caso.

1) Bancos: os recursos depositados em conta corrente não rendem juros, enquanto os juros dos empréstimos, que geram as receitas, são reajustados. Quanto maior a diferença, maior o ganho. Nos anos em que o Brasil experimentou a hiperinflação, as instituições financeiras foram extremamente beneficiadas;

2) Governo: pode, em última análise, imprimir mais moeda para dar conta de suas necessidades. Outra possibilidade envolve a tomada de recursos emprestados, criando ônus para as futuras gerações dos pagadores de impostos;

3) Ricos: conseguem se resguardar através da aplicação de suas economias em investimentos que garantem a reposição da inflação, mais um juro extra.

Entretanto, a população pobre, por definição, não consegue gerar poupança, ou seja, é a parcela que mais sofre com a perda do poder de compra da moeda.

A melhor forma de promover a queda da desigualdade de renda é através do CONTROLE DA INFLAÇÃO.

http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,em-crise-brasil-ve-numero-de-milionarios-aumentar,10000089814

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

As críticas de Donald Trump à economia dos Estados Unidos fazem sentido?

Hoje o Por quê? - Economês em bom português publicou o seguinte post em sua página:
"1. O desemprego nos Estados Unidos está abaixo de 5%;
2. A inflação, perto de zero;
3. O valor dos investimentos na bolsa americana subiu mais de 150% desde a crise financeira global, iniciada em 2008.

Esse parece ser um ambiente propício para duras críticas à economia? Faz sentido Trump buscar votos com o discurso da decadência econômica americana?"
Vejam a nossa resposta:
1) O atual patamar do desemprego é condizente com as estimativas do FED para a "taxa natural", mas a taxa de participação da população na força de trabalho, hoje em 62,8%, é a mais baixa desde 1977. Esse é um indicador de disfunção do mercado de trabalho, até porque, mesmo com o desemprego baixo, os salários pouco têm crescido acima da inflação.
2) Inflação perto de zero não é saudável para a economia, pois significa um fardo grande para os detentores de dívidas e tende a postergar as decisões de consumo das famílias. Os bancos centrais dos países desenvolvidos são unânimes ao perseguir uma inflação baixa (mas não próxima a zero) e estável.
3) A valorização tão expressiva da bolsa desde 2008 está atrelada à expansão sem precedentes do balanço do FED. Como não houve enxugamento dessa liquidez, os ativos permanecem supervalorizados. Do ponto de vista da economia real, os fundamentos não justificam, nem de perto, a magnitude desse fenômeno.
Aliás, esse é outro debate importante: quanto mais o FED reluta em promover esse enxugamento da liquidez, mais ele tende a gerar distorções na economia e, consequentemente, agravar as próximas crises.
Este texto serve de complemento ao terceiro ponto.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Inflação de serviços e mercado de trabalho: por que o Banco Central dá tanta importância para esse tema?



A dinâmica inflacionária é um dos objetos de análise mais recorrentes no campo da macroeconomia. Os últimos anos foram marcados pelo intenso crescimento do nível geral de preços, e um dos principais problemas relacionados à manutenção da estabilidade do poder de compra da moeda diz respeito à resiliência imposta pelo avanço sistemático dos preços dos serviços. Esse tópico, inclusive, recebeu grande destaque na ata da última reunião do Banco Central, realizada nos dias 18 e 19 de outubro. O objetivo deste texto é mostrar a relação existente entre a inflação dos produtos do setor terciário e o mercado de trabalho brasileiro.

O gráfico abaixo mostra a dispersão entre a variação dos preços dos itens relacionados aos Serviços do IPCA e a taxa média de desemprego, ambas medidas em percentual anual, no período entre 2006 e 2015. A medida do número de desocupados em relação à população economicamente ativa foi obtida a partir dos dados da Pesquisa Mensal do Emprego, que já foi desativada pelo IBGE. A dispersão e a linha de regressão, que mostra o melhor ajuste às observações, evidencia a relação negativa entre ambas. Nesse caso, uma maior inflação dos serviços está associada, em média, a menores taxas de desemprego, e vice-versa.

Inflação dos serviços (IPCA) e taxa média de desemprego
(Variação % anual)


Do ponto de vista econômico, quanto menor é a taxa de desemprego, menor é a ociosidade existente no mercado de trabalho. Nesse caso, cada trabalhador sem ocupação é mais disputado pelas empresas. Para atraí-lo, as firmas oferecem salários mais altos. Diante da elevação da renda das famílias, os serviços são mais demandados, e os seus preços, por conseguinte, aumentam. Por outro lado, quando a economia está em recessão, a concorrência entre os ofertantes de mão de obra se eleva. Esse excesso de oferta provoca uma redução do preço de equilíbrio neste mercado, ou seja, dos salários. Consequentemente, existe uma menor pressão de demanda sobre os Serviços.

A expectativa de que o mercado de trabalho continue se deteriorando até meados do ano que vem contribui para conter o avanço do nível geral de preços. Esse fator, dentro do balanço de riscos da inflação, favorece o prolongamento do ciclo de redução da taxa básica de juros da economia (SELIC), iniciado na semana passada, por parte do Comitê de Política Monetária (COPOM).

Portanto, parte da explicação da inflação persistentemente alta ao longo dos últimos anos, sobretudo dos serviços, pode ser atribuída ao aperto do mercado de trabalho. Já em momentos de crise, a elevação da taxa de desemprego contribui para manter a inflação mais bem comportada.

Fonte: IPCA dos serviços e taxa de desemprego (IBGE).

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

A perda de potência da política monetária



O debate sobre a taxa de juros no Brasil ganhou força ao longo das últimas semanas. Alguns economistas afirmam que o seu nível está muito alto, ainda mais em um contexto de forte recessão. Outros sustentam a tese de que ainda é necessário adotar parcimônia com relação ao ciclo de queda iniciado ontem, em função da resistência inflacionária. O objetivo desse artigo não é discutir qual a melhor trajetória para a Taxa SELIC no futuro, mas discorrer sobre outro problema relevante para a política monetária: a perda de sua potência ao longo dos últimos anos.

O ponto de partida para a análise desse fenômeno envolve o gráfico abaixo, que mostra a participação percentual do crédito direcionado e com recursos livres na composição do saldo total da carteira no Brasil. No primeiro tipo estão incluídas as modalidades de empréstimos via BNDES, crédito habitacional e rural, microcrédito para microempreendedores e consumidores, entre outras. Já o segundo diz respeito às convencionais, sem qualquer finalidade específica. A importância dos direcionados cresceu sistematicamente em comparação com os livres desde o agravamento da crise financeira internacional de 2008, compondo uma estratégia deliberada por parte do governo para estimular a economia.

Participação do crédito livre e direcionado no saldo total da carteira - Brasil
(Em %)
É importante lembrar que os créditos direcionados são subsidiados. Nesses casos, conforme o gráfico abaixo, as taxas médias ao ano são muito mais baixas em relação às praticadas pelos livres, que são determinados pela lei da oferta e da demanda.

 Taxas média de juros das operações com crédito livre e direcionado - Brasil
(Em % a.a.)
O grande problema está no fato de que alterações nos juros básicos da economia (Taxa SELIC), em muitos casos, não mudam as taxas dos direcionados. Pelo lado do crédito imobiliário, por exemplo, são os bancos públicos que apresentam competência para a determinação dos valores. Já a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que remunera os empréstimos do BNDES, por exemplo, é definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), formado pelo Ministro da Fazenda, o Ministro do Planejamento e o Presidente do Banco Central. 

Além disso, vale destacar que o custo de captação de recursos para o BNDES junto ao Tesouro Nacional somou mais de R$ 500 bilhões desde 2008, conforme o gráfico abaixo. A diferença para fins de equalização de juros, ou seja, o montante necessário para compensar a lacuna entre o capital adquirido junto ao público (geralmente à Taxa SELIC) e as receitas obtidas pelas operações de empréstimo (TJLP) é pago por todos os contribuintes, na forma de aumento do endividamento.

 Custo da captação de recursos para o BNDES junto ao Tesouro Nacional
(Em R$ bilhões deflacionados pelo IPCA - nível de preços 2015)
Como existe uma parcela cada vez maior de crédito direcionado, o COPOM precisa realizar movimentos de política monetária mais exacerbados para atingir seus objetivos. Por um lado, se a meta envolve limitar o crescimento da inflação, a taxa de juros precisa ser mais elevada. Por outro, se o objetivo for de estimular a economia, a SELIC necessita cair mais.

Para corrigir o problema da perda de potência e tornar a política monetária mais efetiva, é necessário reduzir o papel do crédito direcionado na economia, a partir da redução da importância do papel do BNDES. Deve-se também tornar as outras taxas de juros mais suscetíveis aos movimentos do mercado e da SELIC.

Crédito livre e direcionado: BC (Séries 20542 e 20593 do SGS)
Taxas médias de juros: BC (Séries 20718, 20740, 20757 e 20768).
Custo de captação para o BNDES junto ao TN: (Link aqui).

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Ainda sobre a PEC 241: por que impor um limite para o pagamento de juros (e amortizações) da dívida do governo é uma má ideia?



Conforme já explicamos em outros textos, o atual texto da Proposta de Emenda à Constituição 241 impõe um limite para a expansão dos gastos primários federais, dado pelo IPCA do ano imediatamente anterior, ao longo dos próximos 20 anos. Todavia, essa política pode ser revisada transcorridos 10 anos de sua aprovação pelo Congresso Nacional.


Vários elementos da PEC foram amplamente discutidos ao longo das últimas semanas, mas ainda existem dúvidas. Entre as mais recorrentes, uma ganha destaque: por que o governo também não impõe um teto para as despesas incorridas com o pagamento do serviço (juros e amortizações) de sua dívida? O objetivo do presente texto é mostrar que essa regra traria prejuízos imensuráveis para a economia brasileira.


Na prática, a adoção dessa medida significaria o abandono do Regime de Metas para a Inflação no Brasil. É importante lembrar que o Comitê de Política Monetária (COPOM) dispõe de instrumentos para perseguir o alvo estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) no tocante à variação anual do nível de preços, e o principal deles é a taxa básica de juros. A SELIC, inclusive, serve como balizador para remunerar alguns dos títulos da dívida do governo.


Se, porventura, o governo determinasse um limite muito abaixo do que é pago atualmente com o serviço da dívida, o COPOM certamente necessitaria reduzir, e muito, a taxa SELIC para alcançar esse intento. Contudo, observaríamos grandes pressões sobre a inflação, o que acarretaria o descumprimento da meta, atualmente em 4,5% ao ano, com intervalo de tolerância de dois pontos percentuais para mais ou para menos. Além disso, caso a retomada da demanda não seja acompanhada pela expansão da oferta, a inflação será novamente pressionada. Nesse caso, o COPOM não poderia aumentar os juros caso o limite fosse extrapolado, pois isso acarretaria um custo mais alto da dívida.


Há também os casos onde a taxa de juros dos títulos da dívida governo são determinados pela lei da oferta e da demanda. O gráfico abaixo mostra a variação da taxa de juros para a compra dos títulos do Tesouro Direto na modalidade IPCA+ (antiga NTN-B Principal) com vencimento em 2035. Aqui, o poupador que deseja emprestar seu capital ao governo obtém a reposição plena do IPCA mais uma taxa de juros estabelecida no momento em que o título é adquirido.

Taxa de juros dos títulos do Tesouro Direto na modalidade IPCA+ (antiga NTN-B Principal)
(Em %)

Em momentos de maior confiança e previsibilidade, a procura por esses papeis tende a ser maior, o que significa taxas de juros mais baixas. Entretanto, quando a incerteza sobre os rumos da economia cresce, a procura pelos títulos naturalmente se reduz. Para compensar esse efeito, os juros aumentam. Essa variável pode ser interpretada, portanto, como um indicador capaz de medir o riscos inerentes à economia brasileira. 

Quanto mais deterioradas as condições de mercado, maior seria a lacuna existente entre o que o governo poderia pagar para cumprir o teto do pagamento do serviço da dívida e a necessidade de obtenção de recursos para o satisfazer suas obrigações fiscais. A depender da magnitude, não haveria outra opção a não ser declarar um calote, cujos efeitos seriam devastadores sobre a economia.

Portanto, o estabelecimento de um limite para o pagamento de juros e amortizações da dívida do governo é totalmente conflitante com o Regime de Metas para a Inflação.