quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

O que significa a perda do grau de investimento do Brasil?



No dia de hoje, a nota de crédito da dívida soberana do Brasil foi rebaixada pela agência de risco Fitch. A avaliação tornou-se equivalente ao rating da Standard & Poor’s, ou seja, perdemos o chamado “grau de investimento”. No entanto, em termos práticos, você sabe o que tudo isso significa e quais são os seus potenciais impactos?


A maior parte dos governos em todo o mundo gasta mais do que arrecada, e isso não é diferente no Brasil. Essa lacuna pode ser coberta através de duas formas: (a) emissão de moeda, o que acaba pressionando a inflação e (b) tomada de empréstimos. Para evitar que o nível de preços aumente sistematicamente, geralmente opta-se pela segunda alternativa.


Uma das principais funções das agências de risco é analisar o cenário político-econômico para determinar se nações (ou empresas, o que também inclui um exame minucioso das respectivas situações financeiras) apresentam condições de cumprir com as suas obrigações ou se existe perspectiva de calote. A classificação conhecida por “grau de investimento” confere benefícios aos seus detentores, enquanto aqueles com “grau especulativo” arcam com custos mais elevados. 


O mercado de crédito disponível para o primeiro grupo totaliza US$ 15 trilhões, e como a oferta de recursos é grande, as taxas de juros são bastante atrativas: 1% a.a. até 5% a.a.. O segundo conjunto tem acesso a uma fatia bem menor do total: US$ 5 trilhões. A elevada disputa por esses recursos gera, como consequência, uma elevação das dos juros: mais de 5% a.a., podendo ultrapassar 10% a.a. Essa diferença pode ser explicada pelos estatutos que balizam as políticas de investimento dos principais fundos de pensão internacionais. Muitos só podem comprar títulos da dívida dos países se duas das três principais agências de risco internacionais atestam a qualidade do ativo.

Distribuição do mercado de crédito conforme classificação do rating

As consequências desse rebaixamento para o Brasil são as piores possíveis. A tendência é de queda dos Investimentos Diretos no País (IDP), voltados para empreendimentos produtivos, tão necessários para o crescimento. A menor entrada de dólares deverá levar o Real a perder ainda mais valor em relação à moeda americana. Com isso, os importados tenderão a ficar ainda mais caros, o que pressionará a taxa de inflação. Além disso, as negociações nos mercados financeiros devem apresentar maior volatilidade, reverberando sobre a taxa de câmbio e a Bolsa de Valores. Em suma, os atuais desequilíbrios que permeiam a já combalida economia brasileira deverão se intensificar.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

O preço pago por não sabermos matemática



Recentemente, uma pesquisa realizada pelo Instituto Círculo da Matemática do Brasil evidenciou outra faceta lamentável da educação brasileira. Aproximadamente três quartos da população adulta consultada não sabe realizar operações triviais, como médias simples. Além disso, essa parcela não compreende sequer o que representam frações ou mesmo percentuais. A investigação teve ampla divulgação na mídia ao longo dos últimos dias e gerou grande repercussão. O objetivo desse texto é entender de que forma a matemática está relacionada com o processo de geração de riquezas dos países.


Nossa situação poderia ser menos desalentadora se os jovens que estão na escola hoje desempenhassem bem nessa disciplina, o que poderia melhorar os testes com os adultos no futuro. Contudo, os resultados do PISA, um dos exames internacionais mais respeitados no que tange à avaliação de estudantes adolescentes (entre 15 e 16 anos), mostram que o quadro brasileiro é ainda mais preocupante.


O gráfico abaixo mostra a pontuação obtida em matemática na avaliação conduzida pela OCDE e o PIB per capita, medido em dólares para um conjunto de 60 países. Ambas as variáveis referem-se ao ano de 2012 para fins de comparação (último ano do teste). A relação encontrada é elucidativa: países mais ricos, em média, apresentam melhores resultados em matemática e vice-versa. O Brasil está destacado no ponto laranja e obteve apenas a 58ª posição no ranking.

 Desempenho na prova de matemática no PISA e PIB per capita - 2012
(Em pontos e US$)

Algumas nações - cinco, ao todo - foram propositadamente retiradas do gráfico para tornar a correlação mais forte. Os Emirados Árabes Unidos e o Catar tiveram notas baixas (48ª  e 63ª posição), mas as suas rendas per capita são bastante elevadas em função da abundância de petróleo. As outras três exclusões foram Luxemburgo, Vietnã e China, na 29ª, 17ª e 4ª colocações, respectivamente. Em relação à última, convém destacar que o total de riquezas por pessoa é muito pequeno devido ao tamanho da população (cerca de 1,36 bilhão de habitantes). No entanto, espera-se que, ao longo do tempo, esse ajustamento ocorra, ou seja, que o nível do PIB por pessoa se adeque ao excelente resultado na prova de matemática.

Em suma, pagamos com miséria o preço por não sabermos matemática. A falta de prosperidade torna mais difícil a retenção de talentos e a provisão adequada de serviços essenciais para toda a população.

Fonte: OCDE

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Impactos da volatilidade da taxa de câmbio


Os movimentos da taxa de câmbio ao longo do tempo sempre geram ganhadores e perdedores. Quando, por exemplo, o Real se torna mais fraco em relação ao Dólar, o setor exportador sai ganhando, dado que a rentabilidade dos embarques aumenta. Por outro lado, se a moeda nacional se valoriza em comparação com a estrangeira, as importações ficam mais baratas. A cotação, que representa um dos vários preços existentes na economia, tem papel fundamental de sinalização, direcionando os incentivos para a compra ou a venda no exterior.


No entanto, há um elemento que faz com que os dois lados saiam perdendo. Trata-se da volatilidade exacerbada da taxa de câmbio. Quanto maiores são as variações, menor é a previsibilidade dos agentes. Por exemplo, empresas essencialmente exportadoras perdem boa parte da capacidade de realizar estimativas adequadas para o seu faturamento no futuro. As importadoras, por sua vez, podem incorrer em grandes erros ao calcular os custos esperados. A má alocação de recursos, derivada desse fenômeno, gera perda de eficiência.


O índice de volatilidade da taxa de câmbio, calculado pelo IPEA, alcançou o valor mais alto desde o período compreendido pelo último trimestre de 2008 e os primeiros três meses de 2009, quando os maiores efeitos da crise financeira internacional foram sentidos no Brasil. O gráfico abaixo mostra a série histórica com dados diários desde 2003.

Volatilidade da cotação da taxa de câmbio
 
As causas da atual instabilidade podem ser divididas em dois grandes blocos. Primeiramente, convém destacar os fatores de ordem externa, em função da incerteza envolvendo o momento considerado apropriado pelo Banco Central americano para começar a aumentar a taxa de juros dos EUA. Todavia, o segundo vetor é mais importante, relacionado ao quadro doméstico. Além da recessão prevista para a economia brasileira em 2015 e 2016, o crescimento esperado para 2017 e 2018 é pífio. A turbulência interna também é agravada a partir da crise política, que tem minado a confiança dos agentes econômicos.


Só é possível esperar que a volatilidade da taxa de câmbio diminua quando houver uma melhora do cenário no Brasil. Entretanto, diante da complexidade dos problemas, isso não deverá ocorrer no curto prazo.

Fonte: IPEA, a partir da série histórica do IPEADATA.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Uma análise do desempenho dos setores da indústria de transformação do Brasil

O comportamento da produção industrial apresentou dois períodos distintos ao longo dos últimos anos. Entre 2003 e 2008, houve aumento no volume (quantidade de mercadorias produzidas) de 25,3%. Já entre 2009 e 2014, houve queda de 0,63%. Ademais, a análise dos dados desagregados por setores da atividade mostra que, em alguns casos, as trajetórias foram bastante distintas em relação ao total. O objetivo desse post é tentar compreender alguns dos elementos que influenciaram nas suas dinâmicas de crescimento. 


Para ajudar na elucidação do problema levantado anteriormente, optou-se por tentar identificar uma característica fundamental relativa ao processo de transformação de mercadorias: o grau de intensidade da utilização do fator trabalho. O gráfico abaixo mostra o crescimento acumulado entre 2003 e 2014 da produção de 22 categorias da indústria de transformação brasileira (em %) e um índice que procura medir a importância da utilização de mão de obra em relação ao uso de mecanização. Esse foi calculado a partir do inverso da razão do PIB dos subsegmentos, dado pelo valor da transformação industrial (VTI) em 2013, pelo número de trabalhadores com carteira assinada no mesmo ano. Há uma clara correlação negativa entre ambas, sinalizando que uma maior intensidade em capital esteve associada a um melhor desempenho em termos de produção de bens (e vice-versa).

Intensidade da utilização de mão de obra (2013) e crescimento acumulado da produção (2003 - 2014) por setores da indústria de transformação do Brasil
(Em trabalhadores por R$ e %)


A partir desse resultado, temos um indicativo do que ocorreu. Os custos com salários foram justamente os que tiveram os maiores avanços entre os que compõem o Índice de Custos Industriais, compilado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). O incremento das despesas com pessoal foi mais de duas vezes superior em relação ao total, conforme aponta a tabela abaixo.

 Indicador de Custos Industriais da CNI

(Var. % acumulada entre o primeiro semestre de 2007 e mesmo período de 2015)

Convém lembrar que a economia brasileira foi marcada ao longo dos últimos anos pelo forte crescimento dos salários em termos reais, ou seja, já descontando a variação do nível de preços. Isso se deve a atual regra de reajuste do salário mínimo, garantindo que toda a inflação acumulada no ano imediatamente anterior seja reposta, aliada à variação do PIB de dois anos anteriores ao de referência. Essa lei, que começou a vigorar a partir de 2006, deverá se estender, pelo menos, até 2019. Em suma, os setores da indústria de transformação que optem por continuar a usar relativamente mais mão de obra deverão continuar a perder competitividade ao longo dos próximos anos.

Fonte: Produção Industrial (IBGE).
VTI (IBGE).
Número de Empregados (RAIS).
Indicador de Custos Industriais (CNI).

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Os termos de troca e a Produtividade Total dos Fatores do Brasil


Mesmo com um grau de abertura minúsculo em comparação com a média internacional, o comércio exterior exerce um importante efeito sobre o Brasil. Um dos primeiros textos do blog, por exemplo, demonstrou que as commodities apresentam uma importância considerável em termos de crescimento do PIB. O objetivo desse post é compreender os efeitos que os preços dos embarques e desembarques exercem sobre a nossa dinâmica econômica.


Os termos de troca são definidos como a razão entre os preços de exportação e os de importação de um determinado país para todos os tipos de mercadorias (incluindo produtos básicos, semimanufaturados e manufaturados). Por exemplo, na medida em que essa relação aumenta,  a receita obtida com a venda dos bens nacionais no exterior eleva o poder de compra dessa nação, permitindo com que mais produtos estrangeiros sejam adquiridos. No caso do Brasil, convém notar o expressivo aumento dessa variável entre 2005 e 2011, fruto da forte demanda da China por commodities, necessárias para sustentar suas aceleradas taxas de crescimento no período. A piora dessa razão a partir de 2012 também ajuda a explicar parcialmente o ritmo mais lento do nível de atividade do BR.


Um rápido e sustentado avanço dos nível de renda é um dos principais objetivos de política econômica. Há, basicamente, duas formas para alcançá-lo. A primeira delas é utilizar mais fatores de produção, como trabalho, capital e terra. A outra alternativa é elevar a eficiência dos mesmos, ou seja, com a mesma quantidade de fatores, gerar mais produção. Essa pode ser estimada através do que é conhecido por Produtividade Total dos Fatores (PTF) Tal medida indica a parcela do crescimento que não pode ser explicada pela acumulação de fatores de produção.


O gráfico abaixo mostra a variação percentual dos termos de troca, de acordo com o indicador calculado pela FUNCEX, e a PTF, conforme os dados da Conference Board, entre 1990 e 2014. Há uma clara correlação positiva entre as variáveis: isso significa que aumentos na primeira tendem a ser acompanhados, na média, por uma elevação da segunda, e vice-versa.


Termos de troca e Produtividade Total dos Fatores do Brasil
(Em % - variação anual)

É interessante notar, portanto, que a dinâmica da produtividade está bastante atrelada à variação dos preços relativos. Nesse sentido, é fundamental do ponto de vista de formulação de políticas públicas tornar o crescimento da PTF dissociado dos termos de troca. Dito de outra forma, deve-se aumentar a eficiência dos insumos sem a necessidade de um choque externo favorável sobre os preços. Para tanto, uma das melhores alternativas é investir no aumento do capital humano, tornando a mão de obra mais qualificada para incorporar métodos e sistemas de produção mais eficazes. Outro caminho passa pela promoção de uma abertura comercial, possibilitando assim uma diminuição dos custos para a aquisição de bens do exterior voltados para a expansão da produção.

Fontes: Termos de Troca (IPEADATA).
PTF (Conference Board)

sábado, 19 de setembro de 2015

Como a qualidade da logística e a produtividade estão relacionados



Um dos objetivos mais desejáveis do ponto de vista econômico para firmas e países é tornar os fatores de produção mais eficientes. Isso significa aumentar a produção com a mesma quantidade de capital e/ou de trabalho. A intenção desse post é entender um pouco mais sobre a produtividade: um dos principais motores de uma economia de mercado.

Ganhos de produtividade podem surgir a partir de uma diminuição dos custos. Nesse sentido, a logística, ou seja, os métodos relativos à organização das empresas voltados para os escoamento das mercadorias, requer um contínuo processo de aperfeiçoamento para minimizar os dispêndios relacionados com o transporte, armazenagem e estoque.

O Índice de Performance Logística (LPI), compilado pelo Banco Mundial, é composto por variáveis quantitativas e qualitativas (essas obtidas através de surveys junto a profissionais da área) e se subdivide em seis grandes componentes, a saber: eficiência das alfândegas, qualidade da infraestrutura, facilidade de obtenção de preços competitivos para operações de transporte, qualidade dos serviços de logística (incluindo o despache aduaneiro), capacidade de rastrear mercadorias e frequência com que os produtos chegam aos seus destinos dentro do programado. O indicador varia de 1 (baixa qualidade) até 5 (alta qualidade). Os dados sobre a produtividade do trabalho (medida em dólares de 2014 por hora) foram obtidos junto à instituição "The Conference Board". O Brasil está representado pelo ponto laranja, junto com outras 61 nações. Há uma clara correlação positiva entre as variáveis: quanto melhor o desempenho no LPI, maior tende a ser a produtividade do fator trabalho.

Índice de Performance Logística (LPI) e produtividade do trabalho
(em pontos e em dólares de 2014 por hora)

O Brasil tem a 12ª pior estrutura de logística e a 13ª menor produtividade do trabalho. Uma das maneiras de melhorarmos nesses rankings é via investimentos em infraestrutura por parte do setor estatal. No entanto, não houve nenhum avanço nesse sentido ao longo dos últimos anos. Em relação ao PIB, esses gastos têm se mantido próximos a 1%, algo muito pequeno para as nossas necessidades. Também é necessário que as empresas melhorem os seus processos "da porta para a dentro". Contudo, a atual conjuntura recessiva impõe um estreitamento das margens de lucro por parte das empresas, dificultando a situação. Em suma, a produtividade está intimamente ligada a uma boa estrutura logística.

Fonte: LPI.