A
perda de potência da política monetária no Brasil foi um dos temas abordados por esse blog no passado. Naquela oportunidade, analisamos a evolução da
participação do crédito livre e do direcionado em relação ao total das
operações desde 2007. De fato, o segundo começou a ganhar espaço a partir de
outubro de 2008, coincidindo com o início da fase mais aguda da crise
financeira internacional, fruto da estratégia deliberada por parte do governo
de incentivar a economia mesmo após a superação da turbulência. Contudo, a mera avaliação das estatísticas não nos permite concluir que a política monetária se
encontra obstruída no nosso país por conta desse recrudescimento.
O
objetivo do presente artigo é replicar o exercício feito com o R pelo pessoal
da página “Análise Macro”, que tem por base a ideia do artigo de Ricardo de
Menezes Barboza, publicado na Revista de Economia Política sob o título: “Taxa
de juros e mecanismos de transmissão da política monetária no Brasil”. Aqui, utilizaremos
uma série histórica mais ampla, entre janeiro de 2001 e março de 2017, de modo
a tornar os resultados mais robustos. É importante lembrar que as estatísticas
de crédito sofreram revisão metodológica em 2007. Para promover o encadeamento
entre as antigas e as novas, tomamos as variações daquelas para calcular o seu
nível com base no primeiro valor da metodologia mais recente (março de 2007). As
duas séries do crédito (colunas 4 e 5 do nosso arquivo) foram ponderadas pelo
acumulado em 12 meses da série mensal do PIB do Banco Central. A terceira
variável de interesse é a Taxa SELIC (coluna 6 do arquivo).
Os
primeiros passos no R envolvem a leitura do arquivo, a transformação dos dados
em série temporal e a criação das variáveis que serão objeto do nosso estudo.
Seguem as linhas do código:
dados
<- read.csv2('SELIC_Crédito.csv',dec=',')
dados
<- dados[,-1]
dados
<- ts(dados,start=c(2000,07),freq=12)
livrepib
<- dados[,4]
dirpib
<- dados[,5]
selic
<- dados [,6]
O
primeiro passo foi calcular a correlação entre as séries, ou seja, entre o
crédito livre e o direcionado com a SELIC. O sinal esperado é negativo: dado
que a taxa básica de juros da economia serve como balizador do custo do
crédito, aumentos na primeira devem provocar redução na segunda, e vice-versa. Os
comandos e os resultados estão descritos abaixo:
cor.test(selic,
livrepib)
cor.test(selic,dirpib)
A
correlação é de -0,832 no primeiro caso e de -0,509 no segundo, confirmando
nossa expectativa. Todavia, cálculos de correlação não nos permitem inferir quaisquer
relações de causalidade. Para investigarmos esse tema, recorremos ao teste de
Causalidade de Granger. Sabe-se que o teste é sensível a escolha dos lags. Portanto, devemos adotar um critério
que nos permita escolhê-los de maneira adequada. Utilizamos, aqui, a função varselect do pacote vars, conforme código abaixo.
library(vars)
modelo1
<- data.frame(selic,livrepib)
modelo2
<- data.frame(selic,dirpib)
VARselect(modelo1,
lag.max = 12, type=c("both"),season=NULL)
VARselect(modelo2,
lag.max = 12, type=c("both"),season=NULL)
As
defasagens relevantes para análise são 7 no primeiro caso (2 dos quatro
critérios de seleção apontam essa quantidade) e 3 no segundo (os quatro
critérios de seleção acusam esse valor). Para executar o teste em si, usamos os
seguintes comandos, que visam captar todas as direções possíveis de causalidade
entre as variáveis.
grangertest(selic
~ livrepib,order=7,data=modelo1)
grangertest(livrepib
~ selic, order=7,data=modelo1)
grangertest(selic
~ dirpib,order=3,data=modelo2)
grangertest(dirpib
~ selic, order=3,data=modelo2)
Os resultados são:
SELIC não Granger-causa o crédito
livre: p-valor = 0,01545
(hipótese nula rejeitada, ou seja,
SELIC Granger-causa o crédito livre)
Crédito livre não Granger-causa SELIC:
p-valor = 0,04553
(hipótese nula rejeitada, ou seja,
crédito livre Granger-causa SELIC)
SELIC não Granger-causa o crédito
direcionado: p-valor = 0,4772
(hipótese nula não pode ser rejeitada,
ou seja, SELIC não Granger-causa crédito direcionado)
Crédito direcionado não Granger-causa
SELIC: p-valor = 0,02408
(hipótese nula rejeitada, ou seja,
crédito direcionado Granger-causa SELIC)
No
caso do crédito livre há uma dupla relação de causalidade com a Taxa SELIC. A
política monetária afeta o crédito determinado pelas forças de mercado (relação
esperada a priori). Da mesma forma, o
total das operações de crédito dessas instituições é relevante no que tange às
decisões da taxa básica de juros da economia, pois podem afetam tanto o hiato
do produto (diferença entre o PIB efetivo e o potencial) quanto o desvio da
inflação efetiva com relação à meta.
O
crédito direcionado também Granger-causa a SELIC, uma vez que seus efeitos, assim
como o crédito livre, também influenciam o lado real e o monetário da economia e, consequentemente, também são levados em consideração pelo Banco
Central nas decisões de política monetária.
Entretanto,
as evidências apontam que a Taxa SELIC não Granger-causa o crédito direcionado. Ou seja, há uma obstrução da política monetária que a torna menos potente. Em
situações como essa, assim como já mencionamos em outra oportunidade, os
movimentos dos juros precisam ser mais exacerbados para que os objetivos de
política sejam alcançados, o que introduz maior volatilidade à economia.
Os resultados são muito
parecidos aos obtidos pelo pessoal da Análise Macro, e reforçam a tese de
obstrução da política monetária. A criação da TLP, que substituirá a TJLP e
será determinada com base nos fundamentos de mercado, é uma excelente medida
para resolver esse problema.
Fonte: BCB.
Código das séries no SGS do Bacen:
Crédito livre (série antiga):12130.
Crédito livre (série atual): 20542.
Crédito direcionado (série antiga): 7524.
Crédito direcionado (série atual): 20593.