quinta-feira, 27 de abril de 2017

Perda de potência da política monetária no Brasil: evidência empírica com o R



A perda de potência da política monetária no Brasil foi um dos temas abordados por esse blog no passado. Naquela oportunidade, analisamos a evolução da participação do crédito livre e do direcionado em relação ao total das operações desde 2007. De fato, o segundo começou a ganhar espaço a partir de outubro de 2008, coincidindo com o início da fase mais aguda da crise financeira internacional, fruto da estratégia deliberada por parte do governo de incentivar a economia mesmo após a superação da turbulência. Contudo, a mera avaliação das estatísticas não nos permite concluir que a política monetária se encontra obstruída no nosso país por conta desse recrudescimento.


O objetivo do presente artigo é replicar o exercício feito com o R pelo pessoal da página “Análise Macro”, que tem por base a ideia do artigo de Ricardo de Menezes Barboza, publicado na Revista de Economia Política sob o título: “Taxa de juros e mecanismos de transmissão da política monetária no Brasil”. Aqui, utilizaremos uma série histórica mais ampla, entre janeiro de 2001 e março de 2017, de modo a tornar os resultados mais robustos. É importante lembrar que as estatísticas de crédito sofreram revisão metodológica em 2007. Para promover o encadeamento entre as antigas e as novas, tomamos as variações daquelas para calcular o seu nível com base no primeiro valor da metodologia mais recente (março de 2007). As duas séries do crédito (colunas 4 e 5 do nosso arquivo) foram ponderadas pelo acumulado em 12 meses da série mensal do PIB do Banco Central. A terceira variável de interesse é a Taxa SELIC (coluna 6 do arquivo).


Os primeiros passos no R envolvem a leitura do arquivo, a transformação dos dados em série temporal e a criação das variáveis que serão objeto do nosso estudo. Seguem as linhas do código:


dados <- read.csv2('SELIC_Crédito.csv',dec=',')

dados <- dados[,-1]

dados <- ts(dados,start=c(2000,07),freq=12)

livrepib <- dados[,4]

dirpib <- dados[,5]

selic <- dados [,6]



O primeiro passo foi calcular a correlação entre as séries, ou seja, entre o crédito livre e o direcionado com a SELIC. O sinal esperado é negativo: dado que a taxa básica de juros da economia serve como balizador do custo do crédito, aumentos na primeira devem provocar redução na segunda, e vice-versa. Os comandos e os resultados estão descritos abaixo:


cor.test(selic, livrepib)

cor.test(selic,dirpib)



A correlação é de -0,832 no primeiro caso e de -0,509 no segundo, confirmando nossa expectativa. Todavia, cálculos de correlação não nos permitem inferir quaisquer relações de causalidade. Para investigarmos esse tema, recorremos ao teste de Causalidade de Granger. Sabe-se que o teste é sensível a escolha dos lags. Portanto, devemos adotar um critério que nos permita escolhê-los de maneira adequada. Utilizamos, aqui, a função varselect do pacote vars, conforme código abaixo.


library(vars)



modelo1 <- data.frame(selic,livrepib)

modelo2 <- data.frame(selic,dirpib)



VARselect(modelo1, lag.max = 12, type=c("both"),season=NULL)

VARselect(modelo2, lag.max = 12, type=c("both"),season=NULL)



As defasagens relevantes para análise são 7 no primeiro caso (2 dos quatro critérios de seleção apontam essa quantidade) e 3 no segundo (os quatro critérios de seleção acusam esse valor). Para executar o teste em si, usamos os seguintes comandos, que visam captar todas as direções possíveis de causalidade entre as variáveis.


grangertest(selic ~ livrepib,order=7,data=modelo1)

grangertest(livrepib ~ selic, order=7,data=modelo1)



grangertest(selic ~ dirpib,order=3,data=modelo2)

grangertest(dirpib ~ selic, order=3,data=modelo2)



Os resultados são:


SELIC não Granger-causa o crédito livre: p-valor = 0,01545

(hipótese nula rejeitada, ou seja, SELIC Granger-causa o crédito livre)



Crédito livre não Granger-causa SELIC: p-valor = 0,04553

(hipótese nula rejeitada, ou seja, crédito livre Granger-causa SELIC)



SELIC não Granger-causa o crédito direcionado: p-valor = 0,4772

(hipótese nula não pode ser rejeitada, ou seja, SELIC não Granger-causa crédito direcionado)



Crédito direcionado não Granger-causa SELIC: p-valor = 0,02408

(hipótese nula rejeitada, ou seja, crédito direcionado Granger-causa SELIC)



No caso do crédito livre há uma dupla relação de causalidade com a Taxa SELIC. A política monetária afeta o crédito determinado pelas forças de mercado (relação esperada a priori). Da mesma forma, o total das operações de crédito dessas instituições é relevante no que tange às decisões da taxa básica de juros da economia, pois podem afetam tanto o hiato do produto (diferença entre o PIB efetivo e o potencial) quanto o desvio da inflação efetiva com relação à meta.


O crédito direcionado também Granger-causa a SELIC, uma vez que seus efeitos, assim como o crédito livre, também influenciam o lado real e o monetário da economia e, consequentemente, também são levados em consideração pelo Banco Central nas decisões de política monetária. 


Entretanto, as evidências apontam que a Taxa SELIC não Granger-causa o crédito direcionado. Ou seja, há uma obstrução da política monetária que a torna menos potente. Em situações como essa, assim como já mencionamos em outra oportunidade, os movimentos dos juros precisam ser mais exacerbados para que os objetivos de política sejam alcançados, o que introduz maior volatilidade à economia.

Os resultados são muito parecidos aos obtidos pelo pessoal da Análise Macro, e reforçam a tese de obstrução da política monetária. A criação da TLP, que substituirá a TJLP e será determinada com base nos fundamentos de mercado, é uma excelente medida para resolver esse problema.

Fonte: BCB.

Código das séries no SGS do Bacen:

Crédito livre (série antiga):12130.
Crédito livre (série atual): 20542.
Crédito direcionado (série antiga): 7524.
Crédito direcionado (série atual): 20593.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Quais os impactos do fim da desoneração da folha de pagamentos para a Indústria?

Para cobrir o rombo de R$ 58,2 bilhões no orçamento de 2017, o governo federal anunciou uma série de medidas pelo lado da despesa e da receita para cumprir a meta de déficit primário de R$ 139 bilhões. A lacuna entre o resultado fiscal previsto anteriormente e o atual pode ser atribuída a duas razões: (i) queda da projeção de crescimento econômico de 1,0% para 0,5%, o que diminui a estimativa de arrecadação, uma vez que PIB e receitas do governo apresentam comportamento pró-cíclico, ou seja, são positivamente relacionadas; e (ii) mudança no entendimento jurídico do STF com relação à incidência de ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS, a partir da definição jurídica de faturamento, que exclui os impostos.

O Executivo determinou, entre outras ações, o fim da desoneração da folha de pagamentos para a maioria dos segmentos da indústria e dos serviços. O objetivo desse artigo é avaliar alguns dos potenciais impactos dessa medida sobre o setor secundário.

A mudança da contribuição previdenciária patronal sobre a folha de pagamentos para o faturamento começou a valer em 2011 para um seleto grupo de atividades econômicas. O benefício, meses depois, foi estendido para outros ramos. Em 2015, como parte do ajuste fiscal, o governo determinou o aumento das alíquotas que, em alguns casos, chegaram a 150%.

Há dois tipos de grupos de empresas que sairão relativamente mais prejudicados do que os demais com o fim da desoneração da folha. Em primeiro lugar destacam-se as firmas cujo fator trabalho é mais preponderante em relação ao capital: quanto mais intensivas em mão de obra (ou quanto mais altos são os salários), maior será o ônus. Em segundo lugar, a contribuição sobre a receita de vendas, que vigorava até então, desonerava todo o valor das exportações.

Para avaliarmos o primeiro ponto, vamos construir um indicador que mede a intensidade de mão de obra, ao dividirmos a soma dos “salários, retiradas e outras remunerações” com os “encargos sociais e trabalhistas, indenizações e benefícios” pelo total de “custos e despesas” das categorias industriais. As variáveis estão contempladas na Pesquisa Industrial Anual do IBGE, e a última publicação é datada de 2014. Ao fazermos isso para os 24 setores da indústria de transformação brasileira, conforme a classificação CNAE 2.0, vemos que os 5 ramos de atividade que tendem a ser mais prejudicados são: “Manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos”, “Vestuário e acessórios”, “Produtos diversos”, “Impressão e reprodução de gravações” e “Produtos de metal”. Veja o material interativo aqui.

Soma dos "salários, retiradas e outras remunerações" com "encargos sociais e trabalhistas, indenizações e benefícios" como proporção do total de custos e despesas dos setores da indústria - 2014 - Em %

Em segundo lugar, verificamos qual o peso das exportações de produtos industrializados (soma dos manufaturados e semimanufaturados conforme a classificação “Fator Agregado”) no faturamento (Receita Líquida de Vendas da PIA) no ano de 2014 (estatísticas mais recentes disponíveis). As vendas externas foram convertidas em reais com base na taxa de câmbio média daquele ano. Com base nesse levantamento, concluímos que os cinco estados mais impactados serão o Maranhão, Espírito Santo, Pará, São Paulo e Bahia. Veja mapa interativo aqui.

Participação das exportações de manufaturados (convertidas em R$) no total da Receita Líquida de Vendas da Indústria Total - 2014 - Em %
É importante notar que todos esses cálculos levam em conta o padrão médio dos setores. Portanto, os impactos podem diferir muito de empresa para empresa, inclusive dentro do mesmo segmento, dependendo do mix existente entre capital e trabalho e do peso do setor externo na composição do seu faturamento.

O impacto estimado sobre a arrecadação do governo, que corresponde ao custo a ser pago pelo setor empresarial, é de R$ 4,8 bilhões. Como a insatisfação com as margens de lucro é cada vez maior, de acordo com os dados da Sondagem Industrial da CNI, aumenta-se a propensão de repasse do ônus para os consumidores finais.

Fonte: IBGE, IBGE e MDIC.