O comércio exterior é um importante
vetor de crescimento e de aumento da produtividade para vários países. Várias nações
consideradas pobres até a metade do século passado, como o caso de Taiwan, Hong
Kong, Coréia do Sul, Japão, entre outras, conseguiram, em conjunto com outras
reformas, obter importantes avanços econômicos ao promover transações de bens,
serviços e rendas com o exterior.
No caso do Brasil, sua estrutura produtiva
é bastante dependente do mercado interno. Mesmo com um dos menores graus de
abertura do mundo¹,
o exame da dinâmica das exportações de produtos manufaturados nacionais ao
longo dos últimos anos é fundamental. Essa discussão se torna ainda mais
relevante em função dos sinais de esgotamento do nosso atual modelo de
crescimento e do papel que o setor externo pode desempenhar na geração
sustentada de renda.
Ao longo da década passada, o comércio
exterior do Brasil passou por transformações profundas. Em 2003, por exemplo, a
participação dos produtos manufaturados no total da pauta exportadora, que
chegava a 54,4%, atingiu 35,6% em 2014. Um dos motivos que gerou essa mudança
foi a forte demanda da China por commodities,
necessárias para sustentar suas elevadas taxas de crescimento econômico até
2011. O efeito resultante desse fenômeno provocou aumento considerável na
cotação internacional dessas mercadorias, elevando a fatia dos produtos básicos
no total embarcado. Ao longo dos últimos meses, essa proporção registrou uma
tímida recuperação.
Outro evento de fundamental
importância ocorrido na década passada foi a crise financeira internacional de
2008, que levou a uma alteração estrutural das exportações brasileiras. A
turbulência internacional gerou significativa redução da demanda externa por
produtos nacionais: a taxa de crescimento média das importações mundiais passou
de 12,1% a.a. entre 2000 e 2008 para 2,3% a.a. entre 2009-2014 –. O fim da
chamada "Grande Moderação", portanto, transformou o padrão de
crescimento global, dado que os países se voltaram para o mercado interno, a
partir do recrudescimento de medidas protecionistas. Essa tendência, no
entanto, está sendo parcialmente revertida, a partir do estabelecimento de
mega-acordos comerciais entre importantes países.
Importações mundiais em US$
(variação percentual acumulada em 12
meses)
Fonte: OMC
Em 2011, as exportações totais brasileiras
alcançaram US$ 256 bilhões, de acordo com os dados do Ministério do
Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio (MDIC). Desde então, apresentaram
clara trajetória descendente, totalizando apenas US$ 191,1 bilhões no passado
(queda de 25,3%). No caso dos produtos manufaturados, o pico ocorreu em 2008
(US$ 92,7 bilhões) e, em 2015, esse conjunto somou apenas US$ 74,1 bilhões
(retração de 20,0% desde então). Com esse pano de fundo, o objetivo desse
artigo é entender quais são os motivos que têm impedido o crescimento das
exportações brasileiras dessa classe de mercadorias, contribuindo para o debate
sobre o tema na literatura especializada e para o direcionamento de políticas
públicas.
Um dos principais fatores que afetam a
competitividade das exportações diz respeito à taxa de câmbio. Teoricamente, uma
desvalorização favorece o segmento manufatureiro, pois, dado que a receita em reais
das vendas externas se eleva, é possível para o produtor negociar um preço mais
atrativo em dólares com o comprador. Todavia, a despeito da depreciação ocorrida
ao longo dos últimos anos (119,4% entre maio de 2011 e maio de 2016), não houve
uma contrapartida positiva sobre os embarques brasileiros. A evolução recente
da taxa de câmbio, portanto, se mostra insuficiente para explicar o porquê as
mercadorias de maior valor agregado vêm perdendo espaço na nossa pauta
exportadora.
Uma das formas de avaliar esse
problema com maior acurácia é através da relação câmbio-salário – indicador
calculado mensalmente pelo Banco Central do Brasil. Essa variável procura
capturar a magnitude dos custos de produção relacionados ao fator trabalho em
dólares, ou seja, é uma medida da competitividade do produto brasileiro no
mercado internacional. Quanto mais baixo o índice, maior o poder de compra dos
salários, o que significa menor capacidade de concorrência do produto nacional
no exterior, e vice-versa.
Da mesma forma, a autoridade monetária
brasileira também calcula a relação câmbio-salário corrigida pela
produtividade. A boa teoria econômica aponta que uma elevação do custo do trabalho,
desde que acompanhada por um incremento da produtividade, não tende pressionar
os custos para a fabricação de de mercadorias. Nesse sentido, o indicador
também é sensível à quantidade de produto gerada por unidade de trabalho. Por
exemplo: mesmo que a remuneração do fator trabalho aumente, o indicador não
sofrerá alteração, desde que a produtividade se eleve na mesma magnitude. Por
incorporar esse importante conceito no seu cálculo, optou-se por utilizar essa
última medida no presente estudo.
O gráfico mostra a relação câmbio-salário
corrigida pela produtividade e a participação dos produtos manufaturados na
pauta de exportação brasileira desde 2004, ambos com as suas respectivas médias
móveis em 12 meses para suavizar as séries. Há uma correlação positiva entre
ambas de 0,772.
Isso significa que reduções na primeira tendem a ser acompanhadas, na média,
por quedas na segunda, e vice-versa.
Indicador câmbio-salário corrigido
pela produtividade e participação dos produtos manufaturados na pauta de
exportação do BR
(Em % - média móvel em 12 meses)
Fonte:
BCB e MDIC/SECEX
Entre abril de 2011 e de 2016, a
melhora do indicador foi de apenas 41,2%, ou seja, muito menos substancial do
que a desvalorização da taxa de câmbio no mesmo período. Além disso, convém
ressaltar que, desde 2014, mesmo com a melhora do índice, os manufaturados continuaram
perdendo participação na pauta. Uma hipótese capaz de explicar esse fenômeno
está ligada ao fato de que uma parcela considerável da desvalorização ocorreu recentemente.
Nesse caso, o repasse sobre as exportações apresenta uma defasagem temporal, o
que estaria de acordo com a "Curva J"².
Essa medida de competitividade das
exportações de manufaturados também apresenta uma importante correlação com a
perda de participação da indústria de transformação brasileira no valor
adicionado bruto (VAB) ao longo dos últimos anos, conforme o gráfico abaixo.
Indicador câmbio-salário corrigido
pela produtividade e participação da indústria de transformação brasileira no
PIB
(Em % - média móvel em 4
trimestres)
Fonte:
BCB e MDIC/SECEX
Diante do exposto, algumas
recomendações de política para aumentar a competitividade das exportações de
produtos manufaturados são:
* Rever a atual regra de reajuste do
salário mínimo nacional: a legislação que concede o valor da inflação (INPC) do
ano anterior ao de referência mais o PIB de dois anos atrás não permite, na
prática, que a remuneração do fator trabalho sofra perdas reais (já descontadas
a inflação), que reflitam as variações na produtividade. Essa rigidez acaba
pressionando os custos de produção do segmento exportador. Cabe lembrar também
que o PIB não é uma medida de produtividade: ao longo dos últimos anos, a maior
parte do crescimento brasileiro foi gerado porque mais pessoas foram
incorporadas ao mercado de trabalho.
* Manter a inflação sob controle: o
crescimento persistente do nível geral de preços diminui a competitividade da
oferta, uma vez que os insumos necessários para a produção ficam mais caros em
relação aos concorrentes internacionais. Nesse sentido, é necessário que o
Banco Central se comprometa, de maneira crível, em perseguir a meta para o
IPCA. Ademais, o Setor Público deve contribuir para esse fim, adotando políticas
fiscais adequadas.
* Reformas estruturais: outra maneira
de conter o crescimento dos custos é através de um conjunto abrangente de
medidas que melhorem o ambiente de negócios no Brasil. Além de reduzir a
burocracia, são necessários investimentos em logística, educação, simplificação
tributária e redução da carga de impostos, além de acordos comerciais bilaterais
com mercados relevantes.
Manter a taxa de câmbio
artificialmente desvalorizada poderia causar efeitos indesejáveis do ponto de
vista econômico. Uma das principais seria uma inflação persistentemente
pressionada (em função do encarecimento dos produtos importados). Isso tornaria
os insumos para a produção mais caros e compensaria (ainda que parcialmente) os
efeitos benéficos sobre a exportação.
Em suma, a desvalorização da taxa de
câmbio ao longo dos últimos anos não foi suficiente para dar maior
competitividade para as exportações de produtos manufaturados. Isso ocorreu
porque a combinação entre custos mais elevados relacionados à mão de obra e
menor produtividade do trabalho compensou grande parte do ganho advindo da
perda do poder de compra do real em relação ao dólar.
As medidas necessárias para dar maior
competitividade ao setor exportador de manufaturas são urgentes. Muitas delas,
no entanto, apresentam um enorme custo do ponto de vista político para a sua
implementação. Sem progressos nesse sentido, é improvável obter crescimento
sustentável das vendas externas.
O
grau de abertura, medido pela soma das exportações com as importações e ponderada
pelo tamanho do Produto Interno Bruto (em dólares), foi de 19,7% para o Brasil
em 2014, de acordo com os dados da Organização Mundial do Comércio (OMC) e do
Fundo Monetário Internacional (FMI). No ranking
internacional, para um total de 184 países, somos o terceiro país mais
fechado ao comércio no mundo, somente atrás do Sudão
(18,4%) e África Central (19,3%).