quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Comentários sobre o artigo "Como sair do atoleiro?", de Mônica de Bolle



Em recente artigo publicado no jornal Zero Hora (Como sair do atoleiro?), a economista Mônica de Bolle sugere três medidas passíveis de adoção por parte do governo para ajudar na retomada da economia brasileira. O objetivo deste texto é discutir algumas de suas implicações, além de tecer outros comentários. Os trechos do artigo da Sra. Mônica estão destacados em itálico.


Não, esse não é mais um artigo sobre a necessidade de levar a cabo as reformas ficais — a da Previdência, a emenda constitucional para o teto dos gastos. Já há consenso suficiente sobre a necessidade de ter algo que permita restaurar a sustentabilidade de médio e longo prazo das contas públicas. O governo parece empenhado em seguir em frente com essa agenda.”


Este e os demais parágrafos sugerem ao leitor que a discussão em torno das reformas já está superada no âmbito político. Aqui vale uma observação importante: a cúpula do governo – principalmente o Ministério da Fazenda – apresenta, de fato, uma boa dimensão do tamanho do problema fiscal. O mesmo não se pode dizer a respeito do Poder Legislativo. Os resultados das primeiras votações no Congresso após o afastamento da Presidente Dilma não impediram a contratação de despesas substanciais para os próximos anos. 

A chamada “PEC do Teto” e a Reforma da Previdência apresentam elevado grau de impopularidade, sobretudo essa. É temerário desconsiderar o poder dos grupos de pressão existentes no Brasil e a sua capacidade de interferência na agenda política vários movimentos sociais e sindicatos de trabalhadores já se manifestaram contra quaisquer alterações nos dois temas. Entre os que já estão convencidos da importância dessas medidas, não há ninguém, seja dentro do governo, seja na sociedade civil (incluindo as entidades empresariais) com capacidade adequada de comunicação e de convencimento junto à população.


A primeira trata do tema privatizações e concessões. (...) Diante do alto grau de endividamento das empresas locais, é razoável supor que elas não disporão de grande poder de fogo para investir nos planos do governo. Portanto, para que as privatizações decolem, será necessário contar com o apetite do investidor estrangeiro. Como incentivá-lo? Uma maneira é considerar seriamente o uso de parte das reservas internacionais para prover proteção cambial aos investidores que quiserem aportar recursos aos projetos de infraestrutura brasileiros. Com o financiamento concedido em moeda estrangeira e os retornos denominados em reais, garantias dadas pela utilização de parte das reservas poderiam aumentar o incentivo que esses investidores teriam de colocar recursos no país, acelerando o processo de retomada da economia. 


Se o governo estiver comprometido de forma intertemporal com a estabilidade macroeconômica e com outros elementos necessários para viabilizar a atração de investimentos – incluindo segurança jurídica e a garantia de direitos de propriedade –, a volatilidade da taxa de câmbio NATURALMENTE cairá. Ou seja, os investidores colhem proteção “natural” contra grandes oscilações na cotação a partir de boas práticas de gestão pública.


Um bom exemplo está no gráfico abaixo, que mostra as previsões de mercado do Relatório FOCUS para a taxa de câmbio no último dia útil de 2017 (fim de período). Além da evolução da mediana desde janeiro, foram incluídas mais duas séries: mediana (valor de referência) e dois desvios padrão (para mais e para menos). Todos os dados estão disponíveis no Banco Central. É possível observar que a distribuição dos valores previstos para a taxa de câmbio era muito mais elevada ao longo do primeiro trimestre do ano. Na medida em que o processo de impeachment começou a ganhar força e com base nos indicativos (ainda tênues, diga-se de passagem) que apontam para o caminho certo no futuro, o governo conseguiu melhorar substancialmente o grau de previsibilidade da taxa de câmbio. Em 21/01, por exemplo, o desvio padrão era de R$ 0,39, enquanto que no dia 09/09 caiu para menos da metade: R$ 0,18.

Expectativas para a taxa de câmbio em 2017 - fim do período
(Em R$/US$)




Além disso, a redução das reservas internacionais pioraria alguns indicadores de solvência externa da economia brasileira. Se a volatilidade cambial foi grande ao longo do segundo mandato de Dilma Rousseff, certamente seria ainda maior caso as reservas não estivessem no atual patamar.


A segunda medida que acredito ser urgente é a redução imediata das taxas de juros brasileiras. Em situação ideal, os juros seriam reduzidos após o encaminhamento do ajuste fiscal. Duvido que isso ocorra em breve. Portanto, proponho a redução tempestiva dos juros, o que aliviaria as dívidas do governo, das famílias, das empresas. Além disso, beneficiaria as contas públicas ao afetar diretamente a salgadíssima conta de juros do governo. No contexto atual, não acredito que os mercados reagiriam mal a essa iniciativa Além disso, a recessão por si já garante a queda da inflação, ainda que lenta, como temos visto (grifo meu). Por fim, muitos analistas de mercado já apoiam a redução dos juros pelo BC. A redução dos juros também traria benefício indireto para as contas públicas: ao reduzir o custo de servir a dívida das empresas, abre-se espaço para que elas voltem a pagar impostos, melhorando as perspectivas de arrecadação.


A discussão sobre a taxa de juros envolve um contexto mais abrangente. Ao longo do primeiro mandato da ex-presidente Dilma e sob a gestão de Alexandre Tombini, o Banco Central iniciou um ciclo forçado de redução da SELIC em agosto de 2011. A causa usada desde então como desculpa foi a “crise internacional” e seus “efeitos deflacionários” sobre a economia brasileira. Como resultado, a credibilidade da autoridade monetária, duramente conquistada ao longo de vários anos, foi totalmente arruinada. A manutenção da taxa de juros mantida no atual patamar (14,25% a.a.) por tanto tempo também reflete o preço pago por anos de ingerência do Banco Central. 


Ademais, o balanço de riscos da inflação, a despeito da melhora nas expectativas, ainda inspira preocupação. O gráfico abaixo mostra a variação percentual acumulada em 12 meses do núcleo por exclusão do IPCA, que desconsidera os produtos monitorados e a alimentação no domicílio. O objetivo deste tipo de índice é atenuar os efeitos de choques temporários sobre a variação do nível de preços, capturando apenas mudanças estruturais. Os dados mostram que nem mesmo a pior recessão da economia brasileira em mais de 100 anos foi suficiente para diminuir esta medida ao longo de 2015 e 2016, que teima em permanecer entre 6,5% e 7%.



IPCA - núcleo sem produtos monitorados e alimentação no domicílio
(Variação % acumulada em 12 meses)


Vale lembrar também que a economia brasileira está com excesso de capacidade ociosa, tanto no que diz respeito à utilização de maquinário, quanto de mão de obra. Na medida em que a recuperação ganhar mais força, a inflação será novamente pressionada, porque os gargalos relacionados ao lado da oferta da economia não são resolvidos com uma "simples" queda tempestiva nos juros. 


“Por fim, o BNDES. Como já defendi em outras ocasiões, urge reduzir o papel do BNDES como fonte primária de recursos para projetos de prazo mais longo. O ideal seria ter um BNDES com a responsabilidade de coordenador de estruturas de syndicated loans, onde os participantes são atores do setor privado - provavelmente, os investidores estrangeiros, que podem ser melhor atraídos com garantias como o uso de reservas para mitigar risco cambial.”


Não há qualquer objeção ao parágrafo acima.

Portanto, de uma maneira geral, vejo com bastante preocupação as medidas sugeridas pela Sra. Mônica.

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