terça-feira, 29 de agosto de 2017

Queda da taxa de desemprego: não há o que comemorar

O mercado de trabalho é um dos principais pontos de fragilidade da economia brasileira, despertando a atenção de especialistas e do governo. A interação entre ofertantes e demandantes de mão de obra apresenta grande relevância para explicar a dinâmica do consumo das famílias e dos serviços, componentes que respondem pela esmagadora maioria do PIB pelas óticas da demanda e da oferta, respectivamente.

Recentemente, o IBGE divulgou os dados mais recentes da PNAD-Contínua. Trata-se da principal pesquisa em âmbito nacional que permite o acompanhamento de importantes variáveis do mercado de trabalho. A aparente melhora da taxa de desemprego na passagem do primeiro para o segundo trimestre de 2017 foi um dos destaques veiculados pelas principais mídias. Entretanto, a análise dessa estatística, isoladamente, esconde algo preocupante.

Apesar da queda do percentual de trabalhadores sem ocupação no período, de 13,7% para 13,0% (sem levar em consideração os efeitos sazonais), houve uma piora na qualidade dos vínculos. Em primeiro lugar, o número de postos de trabalho com carteira assinada no setor privado apresentou leve queda em termos absolutos entre abril e junho em relação a janeiro e março, mantendo trajetória ininterrupta de retração desde o início de 2014.

Ao mesmo tempo, o total de trabalhadores informais na iniciativa privada aumentou em aproximadamente 450 mil nessa base de comparação: de 10,2 milhões para 10,6 milhões. Como resultado, voltou para o mesmo nível visto em 2013. De acordo com a definição metodológica, a inexistência de formalização também caracteriza vínculo empregatício.

O baixo dinamismo da atividade econômica também provocou a elevação dos trabalhadores por “conta-própria” – aqueles que decidem abrir seu próprio empreendimento e não contam com funcionários. O total desse subconjunto da população avançou de 22,1 milhões para 22,5 milhões.

Seguindo a definição sugerida por Barbosa Filho e Moura, a taxa de informalidade, medida pela proporção entre trabalhadores sem carteira e os empregados (com e sem carteira), aumentou 0,8 ponto percentual na passagem do primeiro para o segundo trimestre de 2017, consolidando tendência de alta iniciada em meados de 2016, conforme o gráfico abaixo. É o pior resultado desde 2012, quando a pesquisa começou. Consulte a versão interativa do mesmo aqui: http://rpubs.com/oscarfrank/302683


As consequências do aumento dessa variável são bastante indesejáveis do ponto de vista econômico, social e para a sustentabilidade das finanças públicas, conforme texto que ainda está em desenvolvimento pelo blog.

Portanto, a queda da taxa de desemprego ocorreu concomitantemente à piora na composição do mercado de trabalho. Conforme já vimos anteriormente, essa é a última ponta por onde a retomada econômica se manifesta, em função dos custos elevados para contratar e demitir no Brasil. Por essa razão, os sinais de recuperação do nível de atividade precisam ser mais consistentes para elevar novamente o número de postos de trabalho formais.

Referência: Evolução Recente da Informalidade no Brasil: uma Análise Segundo Características da Oferta e Demanda de Trabalho (2012) - Texto para discussão número 17 - FGV
Autores: Fernando Holanda Barbosa Filho e Rodrigo Leandro de Moura

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Esclarecimentos sobre o novo valor do Salário Mínimo

O novo valor do Salário Mínimo para 2018 ainda repercute negativamente junto à população brasileira. Alguns veículos e mídias foram responsáveis por distorcer o anúncio feito pelo governo, gerando enorme confusão. O objetivo desse texto é explicar o que aconteceu para evitar a propagação de desinformação.
É preciso deixar claro que não haverá queda do Salário Mínimo no ano que vem: o que existe, na realidade, é a expectativa de menor crescimento. O valor atual, de R$ 937, deverá alcançar R$ 969 (alta de 3,4%) conforme a nova projeção, e não mais R$ 979 (avanço de 4,5%). A mudança está prevista na Lei 13.152/2015, que rege a política de valorização do Mínimo. Segundo a regra vigente, o reajuste deve levar em conta a variação do PIB de dois anos atrás em relação ao período de referência, acrescida da inflação (medida pelo INPC) do ano imediatamente anterior. Desde 2008, a correção da quantia mínima recebida por um trabalho formal (com carteira assinada) segue de perto esse preceito, conforme o gráfico abaixo. Consulte a versão interativa aqui: http://rpubs.com/oscarfrank/301704

Salário Mínimo e Regra de reajuste
(variação % em relação ao ano anterior)
No caso de 2018, deve-se considerar, em primeiro lugar, a variação do PIB de 2016 (-3,6%). Caso o princípio legal fosse seguido à risca, a recessão do ano passado deveria contribuir para reduzir o Salário Mínimo. Todavia, existe um preceito tácito já aplicado pelo governo nesse ano: eventuais quedas da atividade econômica, como em 2015, não contribuem negativamente para o reajuste. Esse fator, portanto, é neutro na aplicação da correção. Isso posto, resta como alternativa investigar o comportamento da inflação.
À época do anúncio da Lei de Diretrizes Orçamentários (LDO) de 2018, em abril desse ano, a projeção para o INPC por parte do governo era de 4,5%, muito próxima da mediana das expectativas de mercado conforme o Relatório FOCUS, do Banco Central, naquela ocasião. Agora o INPC esperado pelas instituições financeiras participantes do Relatório em 2017 é de 3,5%. Ou seja, houve apenas uma readequação do valor do Mínimo com base nos números mais recentes. Isso, contudo, pode mudar, uma vez que a inflação acumulada em 2017 só será conhecida no início de 2018.
O alívio gerado junto às contas públicas pelo menor crescimento do Mínimo é de R$ 3 bilhões, fruto da existência de benefícios assistenciais e previdenciários atrelados ao seu nível. Entretanto, essa ainda é uma economia muito pequena, diante do tamanho do rombo existente nas contas públicas. Recentemente o governo anunciou a nova meta para o resultado primário em 2017 e 2018, ou seja, da diferença entre receita e despesa sem levar em consideração o pagamento de juros da dívida: déficit de R$ 159 bilhões.
É importante lembrar que a regra de correção do Salário Mínimo contribui para aumentar a indexação da economia, ou seja, eleva a inércia inflacionária porque devolve automaticamente toda a inflação acumulada no período anterior. A boa teoria econômica nos diz que ganhos salariais acima da produtividade não geram aumento do poder de compra porque são compensados pelo aumento do nível geral de preços.
Outro ponto importante para reflexão diz respeito ao uso do PIB na composição da regra, dado que essa variável não mede produtividade. É perfeitamente possível, por exemplo, que o total de bens e serviços da economia cresça em valores absolutos, mas que o produto por unidade de mão de obra seja menor. Há, muitas vezes, dificuldade no tocante à obtenção de uma medida da produtividade agregada da economia, que leve em consideração as particularidades de cada um dos setores produtivos.
O menor crescimento do Mínimo também repercute sobre alguns estados diretamente. Alguns deles, como na Região Sul e alguns do Sudeste adotam a política de Piso Regional, que nada mais é do que a valorização do Mínimo nacional. Na medida em que esse avança menos, o avanço esperado para as Unidades da Federação também é menor.
Portanto, o novo reajuste esperado para Mínimo para 2018 apenas segue a regra estipulada para a sua correção anual. O valor deverá crescer menos por conta da queda esperada da inflação.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Como calcular o impacto do reajuste dos combustíveis sobre a inflação?

Em função da dificuldade de atingir a meta de déficit primário de R$ 139 bilhões em 2017, o governo determinou o aumento do PIS/COFINS sobre os combustíveis. Segundo estimativas oficiais, a medida deve gerar aproximadamente R$ 10 bilhões para os cofres públicos. Além do efeito sobre o lado fiscal, a elevação do imposto também repercute sobre o nível geral de preços da economia. O objetivo desse artigo é estimar o impacto das novas alíquotas sobre o IPCA, além de discutir seus desdobramentos para a política monetária.
A primeira etapa consiste na obtenção dos preços médios ao consumidor para cada um dos três tipos de combustíveis antes da vigência das novas regras, de acordo com os dados da ANP. Conforme o anúncio, os incrementos foram de R$ 0,4109 para a gasolina, R$ 0,1218 para o etanol (já considerando o erro prévio de cálculo do governo e sua correção) e R$ 0,2135 para o óleo diesel. De posse dos valores iniciais e finais, é possível calcular a variação dos preços.
O segundo elemento essencial para o cômputo diz respeito ao peso de cada um dos respectivos itens no índice oficial de inflação do Brasil do mês de junho, de acordo com a pesquisa mensal do IBGE. A influência é gerada a partir da multiplicação dos ponderadores pela variação dos preços. O resultado final é de acréscimo de 0,5 ponto percentual no IPCA, número consistente com o apontamento da última nota do Comitê de Política Monetária (COPOM). A síntese dos resultados está na tabela abaixo.


Vale lembrar que essa estimativa leva em consideração apenas o impacto direto do reajuste. Isso se deve ao fato de que o diesel, por exemplo, é intensivamente utilizado para o transporte de inúmeras cargas. A Associação Brasileira de Logística e Transporte de Cargas (ATNC) aponta, por exemplo, que o diesel responde por 40% do custo do frete.
Ainda que o impacto sobre a inflação não seja desprezível, o cenário ainda é relativamente confortável para a extensão do ciclo de queda da Taxa SELIC. A mediana das expectativas de mercado do IPCA, com base no Relatório FOCUS, apontava para 3,29% no acumulado de 2017 em 14 de julho. Mantidas as demais variáveis constantes, a projeção deverá crescer para 3,8%, valor que ainda está muito distante do centro da meta, de 4,5%. Diante da fraqueza do nível de atividade e do mercado de trabalho, e como as incertezas recentes de ordem política produziram impactos neutros sobre o quadro inflacionário, o aumento dos combustíveis não alterou o ritmo de corte dos juros básicos da economia em 1,00 ponto percentual, conforme anúncio realizado na semana passada.
A elevação da alíquota sobre os combustíveis, portanto, não deve causar mudanças na política monetária no futuro, uma vez que a dinâmica inflacionária segue benigna.