Em
recente artigo publicado no jornal Zero Hora (Como sair do atoleiro?), a
economista Mônica de Bolle sugere três medidas passíveis de adoção por parte do
governo para ajudar na retomada da economia brasileira. O objetivo deste texto
é discutir algumas de suas implicações, além de tecer outros comentários. Os trechos
do artigo da Sra. Mônica estão destacados em itálico.
“Não, esse
não é mais um artigo sobre a necessidade de levar a cabo as reformas ficais — a
da Previdência, a emenda constitucional para o teto dos gastos. Já há consenso
suficiente sobre a necessidade de ter algo que permita restaurar a
sustentabilidade de médio e longo prazo das contas públicas. O governo parece
empenhado em seguir em frente com essa agenda.”
Este e os
demais parágrafos sugerem ao leitor que a discussão em torno das reformas já
está superada no âmbito político. Aqui vale uma observação importante: a cúpula
do governo – principalmente o Ministério da Fazenda – apresenta, de fato, uma
boa dimensão do tamanho do problema fiscal. O mesmo não se pode dizer
a respeito do Poder Legislativo. Os resultados das primeiras votações no
Congresso após o afastamento da Presidente Dilma não impediram a contratação de despesas substanciais para os próximos anos.
A chamada “PEC do Teto” e
a Reforma da Previdência apresentam elevado grau de impopularidade, sobretudo essa. É
temerário desconsiderar o poder dos grupos de pressão existentes no Brasil e
a sua capacidade de interferência na agenda política — vários
movimentos sociais e sindicatos de trabalhadores já se manifestaram contra
quaisquer alterações nos dois temas. Entre os que já estão convencidos da
importância dessas medidas, não há ninguém, seja dentro do
governo, seja na sociedade civil (incluindo as entidades empresariais) com capacidade adequada de comunicação e de convencimento junto à população.
A primeira trata do tema privatizações e concessões. (...)
Diante do alto grau de endividamento das empresas locais, é razoável supor que
elas não disporão de grande poder de fogo para investir nos planos do governo.
Portanto, para que as privatizações decolem, será necessário contar com o
apetite do investidor estrangeiro. Como incentivá-lo? Uma maneira é considerar
seriamente o uso de parte das reservas internacionais para prover proteção
cambial aos investidores que quiserem aportar recursos aos projetos de
infraestrutura brasileiros. Com o financiamento concedido em moeda estrangeira
e os retornos denominados em reais, garantias dadas pela utilização de parte
das reservas poderiam aumentar o incentivo que esses investidores teriam de
colocar recursos no país, acelerando o processo de retomada da economia.
Se o
governo estiver comprometido de forma intertemporal com a estabilidade
macroeconômica e com outros elementos necessários para viabilizar a atração de
investimentos – incluindo segurança jurídica e a garantia de direitos de
propriedade –, a volatilidade da taxa de câmbio NATURALMENTE cairá. Ou seja, os
investidores colhem proteção “natural” contra grandes oscilações na cotação a
partir de boas práticas de gestão pública.
Um bom exemplo está no gráfico
abaixo, que mostra as previsões de mercado do Relatório FOCUS para a taxa de câmbio no último dia útil de 2017 (fim de período). Além da evolução da mediana
desde janeiro, foram incluídas mais duas séries: mediana (valor de referência)
e dois desvios padrão (para mais e para menos). Todos os dados estão disponíveis
no Banco Central. É possível observar que a distribuição dos valores previstos
para a taxa de câmbio era muito mais elevada ao longo do primeiro trimestre do
ano. Na medida em que o processo de impeachment
começou a ganhar força e com base nos indicativos (ainda tênues, diga-se de
passagem) que apontam para o caminho certo no futuro, o governo conseguiu
melhorar substancialmente o grau de previsibilidade da taxa de câmbio. Em
21/01, por exemplo, o desvio padrão era de R$ 0,39, enquanto que no dia 09/09
caiu para menos da metade: R$ 0,18.
Expectativas para a taxa de câmbio em 2017 - fim do período
(Em R$/US$)
Além
disso, a redução das reservas internacionais pioraria alguns indicadores de
solvência externa da economia brasileira. Se a volatilidade cambial foi grande
ao longo do segundo mandato de Dilma Rousseff, certamente seria ainda maior
caso as reservas não estivessem no atual patamar.
A segunda medida que acredito ser urgente é a redução imediata
das taxas de juros brasileiras. Em situação ideal, os juros seriam reduzidos
após o encaminhamento do ajuste fiscal. Duvido que isso ocorra em breve.
Portanto, proponho a redução tempestiva dos juros, o que aliviaria as dívidas do
governo, das famílias, das empresas. Além disso, beneficiaria as contas
públicas ao afetar diretamente a salgadíssima conta de juros do governo. No
contexto atual, não acredito que os mercados reagiriam mal a essa iniciativa Além disso, a recessão por si já garante a
queda da inflação, ainda que lenta, como temos visto (grifo meu). Por fim,
muitos analistas de mercado já apoiam a redução dos juros pelo BC. A redução
dos juros também traria benefício indireto para as contas públicas: ao reduzir
o custo de servir a dívida das empresas, abre-se espaço para que elas voltem a
pagar impostos, melhorando as perspectivas de arrecadação.
A
discussão sobre a taxa de juros envolve um contexto mais abrangente. Ao longo
do primeiro mandato da ex-presidente Dilma e sob a gestão de Alexandre Tombini,
o Banco Central iniciou um ciclo forçado de redução da SELIC em agosto de 2011. A causa usada desde então como desculpa foi a “crise internacional” e seus “efeitos
deflacionários” sobre a economia brasileira. Como resultado, a credibilidade da
autoridade monetária, duramente conquistada ao longo de vários anos, foi totalmente arruinada. A manutenção da taxa de juros mantida no atual patamar
(14,25% a.a.) por tanto tempo também reflete o preço pago por anos de ingerência do Banco
Central.
Ademais,
o balanço de riscos da inflação, a despeito da melhora nas expectativas, ainda
inspira preocupação. O gráfico abaixo mostra a variação percentual acumulada em
12 meses do núcleo por exclusão do IPCA, que desconsidera os produtos
monitorados e a alimentação no domicílio. O objetivo deste tipo de índice é
atenuar os efeitos de choques temporários sobre a variação do nível de preços,
capturando apenas mudanças estruturais. Os dados mostram que nem mesmo a pior recessão da economia
brasileira em mais de 100 anos foi suficiente para diminuir esta medida ao longo de 2015 e 2016, que teima em permanecer entre 6,5% e 7%.
IPCA - núcleo sem produtos monitorados e alimentação no domicílio
(Variação % acumulada em 12 meses)
Vale
lembrar também que a economia brasileira está com excesso de capacidade ociosa,
tanto no que diz respeito à utilização de maquinário, quanto de mão de obra. Na medida em que a recuperação ganhar mais
força, a inflação será novamente pressionada, porque os gargalos relacionados
ao lado da oferta da economia não são resolvidos com uma "simples" queda tempestiva nos
juros.
“Por fim, o BNDES. Como já defendi em outras ocasiões, urge
reduzir o papel do BNDES como fonte primária de recursos para projetos de prazo
mais longo. O ideal seria ter um BNDES com a responsabilidade de coordenador de
estruturas de syndicated loans, onde os participantes são atores do setor
privado - provavelmente, os investidores estrangeiros, que podem ser melhor
atraídos com garantias como o uso de reservas para mitigar risco cambial.”
Não há qualquer objeção ao parágrafo acima.
Portanto, de uma maneira geral, vejo com bastante preocupação as medidas sugeridas pela Sra. Mônica.