quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

O "salário mínimo necessário" do DIEESE faz algum sentido?


Diversos meios de comunicação noticiam com frequência o salário mínimo capaz de atender as necessidades básicas do brasileiro, de acordo com o DIEESE.  O instituto calcula que para dar conta de itens como “alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência”, o vencimento mensal deveria alcançar R$ 3.399,22. O objetivo desse artigo é mostrar que esse número não apresenta qualquer racionalidade do ponto de vista econômico.


Os dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) apontam para a existência de 49,5 milhões de vínculos empregatícios formais de diversas modalidades, incluindo celetistas, estatutários e militares em 2014. Convém lembrar que isso não representa, de maneira exata, o número de assalariados, uma vez que uma mesma pessoa pode ter mais de um contrato de trabalho. Como as estatísticas mais recentes do estoque de trabalhadores são daquele ano, optei por utilizar o “salário mínimo necessário” computado em dezembro de 2014: R$ 2.975,55.


Para estimar o impacto gerado pela economia, acessei as estatísticas do total de vínculos classificados por remuneração média em salários mínimos (à época, o valor era de R$ 724,00). Para todas as faixas até 4 SM (valor mais próximo do “mínimo necessário”), multipliquei os R$ 2.975,55 por 13 (doze meses mais o décimo terceiro). Além disso, também é necessário considerar os custos para o empregador. Conforme artigo de José Pastore, o ônus do trabalhador corresponde a 102% do dispêndio com o salário. Trata-se de um valor bastante superior em comparação com outros países: França (80%), Alemanha (60%), Inglaterra (59%), Irlanda (56%), Itália e Holanda (51%), Bélgica (45%) e Luxemburgo (41%).


Para faixas superiores a 4 salários mínimos, mantive a lógica que prevalece até o presente momento. Ou seja, cada um dos vínculos continuaria recebendo mais que um “salário mínimo necessário”, tendo por base o valor de referência de R$ 724,00. Os números para esse segundo subconjunto levam em consideração a média de cada uma das faixas. Por exemplo, entre 4,01 e 5 SM, a média é de 4,5, ou seja, R$ 3.258,00. A tabela abaixo mostra que o dispêndio total com os custos do trabalho alcançariam R$ 4,58 trilhões, equivalente a 80,6% do PIB do ano retrasado.

 Impacto sobre o custo do trabalho do "salário mínimo necessário"
É necessário também calcular o impacto sobre a Previdência Social. Aqui, para fins de simplificação, assumo que a arrecadação do INSS deriva somente dos 20% cobrados sobre o valor do salário. Chego ao seguinte resultado:

 Impacto sobre a Previdência Social do "salário mínimo necessário" - lado das receitas
Pelo lado dos custos, obtive os dados dos benefícios de aposentados e pensionistas emitidos por faixas de valor, conforme o site do Ministério da Previdência Social. Ao todo, foram 32,15 milhões de beneficiários (aposentados e pensionistas) em 2014. Utilizando a mesma lógica para o cômputo do custo trabalhista, chega-se ao seguinte resultado:

 Impacto sobre a Previdência Social do "salário mínimo necessário" - lado das despesas
Subtraindo as receitas das despesas, chegaríamos a um rombo de R$ 801 bilhões (a preços de 2014). Como a Previdência já é bastante deficitária, o governo, entre outras alternativas, poderia recorrer a aumentos de impostos para cobrir essa diferença. Esse seria mais um ônus para o setor produtivo. Somando ao custo trabalhista, teríamos um total de R$ 5,46 trilhões, ou 95% do PIB daquele ano. Outra opção seria emitir moeda. No entanto, o choque sobre a inflação seria tremendo. Não haveria espaço para qualquer atividade produtiva nesse cenário.

Mesmo diante das inúmeras hipóteses assumidas (algumas de maneira implícita), mantendo-se tudo mais constante, não é difícil concluir que o "salário mínimo necessário" não atende ao princípio da razoabilidade econômica. É como se existisse uma realidade paralela para o DIEESE, onde fosse possível dividir por zero ou no qual as probabilidades podem ser menores do que zero e maiores do que 100%.

5 comentários:

  1. Não sei em qual contexto é usado, mas o termo "salário mínimo necessário" não me parece fazer nenhum juízo sobre o quão factível é implementar este salário mínimo.

    Pela própria definição que você deu no início do post, é apenas o montante necessário para adquirir uma determinada cesta de bens.

    Na minha opinião, não vejo problema em se calcular e divulgar este índice (ou pelo menos não vejo problema pelos motivos que você se expôs). Se você me mostrar que o valor para adquirir a cesta sugerida está sobrestimado, mudo de opinião.

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  2. O texto dá uma ideia de quanto custaria para os pagadores de impostos manterem o Estado com "salário mínimo necessário", o que seria inviável, servindo para indicar que outros problemas, estruturais, precisam ser tratados, muito embora o conceito de "salário mínimo", entendo, seja arcaico com a aplicação, muitas vezes, prejudicial aos próprios trabalhadores.

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  3. Prezado anônimo,

    O estabelecimento de um juízo acerca do “salário mínimo necessário” é parte fundamental do processo. Se ao menos o DIEESE admitisse que se trata de um mero exercício teórico, sem validade na prática (conforme procurei demonstrar ao longo do texto), tudo bem. Mas não é o caso. Sabemos, inclusive, que o número é utilizado por sindicatos trabalhistas, como o próprio Departamento admite: "O Salário Mínimo Necessário, calculado mensalmente como uma estimativa do que deveria ser o salário mínimo vigente é, também, um instrumento utilizado pelos sindicatos de trabalhadores para denunciar o descumprimento do preceito constitucional que estabelece as bases para a determinação da menor remuneração que vigora no país."

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  4. Obrigado pela participação, Leonardo Amorim!

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  5. É... MAS PRA VC CONSIDERAR ESSA REALIDADE PRIMEIRO PRECISARIA TER UMA REFORMA SINDICAL, ESSES SEUS DADOS E ARGUMENTOS SÃO COMO SE A PREVIDÊNCIA FOSSE SUSTENTÁVEL, MESMO COM SALARIO MINIMO DE 935,00

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