Depois da controversa decisão sobre a taxa de juros, o Comitê de Política Monetária
(COPOM) divulgou a ata da última reunião, que reúne os argumentos econômicos
que balizaram a manutenção da SELIC em 14,25% a.a.. O objetivo desse
artigo é mostrar 6 pontos de inconsistência contidos nesse importante documento. Vamos a
eles:
Ponto 1: Parágrafo 24
“..., o Comitê pondera
que, no horizonte relevante para a política monetária, o balanço do setor
público tende a se deslocar para a zona de neutralidade e não descarta a
hipótese de migração para a zona de contenção, mesmo que de forma lenta e em
menor intensidade em relação ao anteriormente projetado.”
Nesse
trecho, o COPOM considera que os gastos públicos deixarão de exercer pressão de
demanda sobre a inflação ao longo dos próximos meses. A expressão “zona
de neutralidade” é marca registrada nas atas passadas já há algum tempo, mas nada
justifica a sua presença. Isso porque é nítida a deterioração da situação
fiscal do Brasil ao longo dos últimos anos. Conforme o gráfico abaixo, o
resultado primário, ou seja, a poupança do governo para o pagamento dos juros
da dívida piorou sistematicamente ao longo dos últimos anos, a despeito das
deduções de gastos – com o PAC e o “Minha Casa, Minha Vida” – e das chamadas
“pedaladas fiscais”.
Resultado primário do Setor Público Consolidado
(Em % do PIB)
Não só isso: o Banco Central afirma que é possível ocorrer uma mudança para a “zona
de contenção”. Ora, as evidências não apontam nessa direção. Em primeiro lugar,
sabe-se que a arrecadação de impostos é pró-cíclica, ou seja, cresce na medida
em que o conjunto de bens e serviços produzidos pela economia aumenta e vice-versa. Em 2016,
deveremos ter outra queda acentuada do PIB, tendência que deverá se repetir para as receitas do governo. Pelo lado dos gastos, 2015 foi pródigo em mostrar o quanto uma reforma abrangente é difícil, ainda mais diante do
apoio diminuto do Congresso à Presidente. Além do mais, sabe-se que cerca de 90% dos
dispêndios do governo são obrigatórios, ou seja, são passíveis de mudança somente a partir de alterações legais
(ou até mesmo constitucionais em alguns casos).
Ponto 2: Parágrafo 24
“Relativamente ao resultado fiscal estrutural
e a depender do ciclo econômico...”
O
resultado fiscal estrutural mede a diferença entre as receitas e as despesas do
governo, ponderada pelo ciclo econômico. Segundo esse conceito, em momentos de
expansão do PIB, a poupança do governo deve ser maior, uma vez que a atividade
econômica favorece a arrecadação de impostos e vice-versa. Porém,
enquanto o Setor Público persegue uma meta de resultado primário, o Banco
Central está avaliando outra variável bem diferente. Na visão do autor desse
blog, a adoção da segunda métrica seria importante por parte do
governo, mas isso faz parte de outra discussão. O ponto nevrálgico aqui envolve a análise
do desempenho fiscal à luz da mesma ótica, impedindo assim possíveis distorções
na análise.
Ponto
3: Parágrafo 27
“Ao
tempo em que reconhece que esses ajustes de preços relativos têm impactos
diretos sobre a inflação, o Comitê reafirma sua visão de que a política
monetária pode, deve e está contendo os efeitos de segunda ordem deles
decorrentes.”
A
política monetária não está contendo os “efeitos de segunda ordem”. Segundo esse texto, as expectativas de inflação seguem
deteriorando a uma velocidade significativa.
Ponto 4: Parágrafo 28
“Adicionalmente, as incertezas em relação ao
cenário externo se ampliaram, com destaque para a crescente preocupação com o
desempenho da economia chinesa e seus desdobramentos e com a evolução de preços
no mercado de petróleo. (...) No entanto, a maioria dos membros do Copom
considerou que a elevação das incertezas domésticas e, principalmente,
externas, sobretudo mais recentemente, justifica continuar monitorando a
evolução do cenário macroeconômico para, então, definir os próximos passos na
sua estratégia de política monetária.”
As
turbulências na China causaram impactos sobre os mercados financeiros de todo o
mundo. Todavia, não é de hoje que a economia chinesa está desacelerando,
em linha com a mudança no perfil de crescimento do País. Convém ressaltar que a bolsa da China praticamente retornou ao nível antes da forte expansão vista entre 2014 e 2015,
ou seja, existe um piso que será testado pelo mercado, e que pode tornar
mais claro o escopo dessa turbulência. Com relação aos EUA, o dado do
último trimestre de 2015 sobre o PIB veio mais fraco do que o esperado. No
entanto, não há evidências que apontem para um desaquecimento mais intenso da economia americana: a taxa de crescimento em 2015 foi a mesma de 2014 (2,4%).
Ponto 5: Parágrafo 28
“Para o Comitê, os efeitos conjugados desses
elementos, o desenvolvimento nos âmbitos fiscal, parafiscal e no mercado de
ativos e, em 2016, a dinâmica dos preços administrados são fatores importantes
do contexto em que decisões futuras de política monetária serão tomadas, com
vistas a assegurar a convergência da inflação para a meta de 4,5% estabelecida
pelo CMN, em 2017.”
O Decreto 3.088/99, responsável pelo estabelecimento do Regime de
Metas para a Inflação, em seu Artigo 1º, §1º, é bastante claro: “as metas são representadas por variações anuais de índices de preços de ampla divulgação” (grifo meu). Ou
seja, esse direcionamento por parte da autoridade monetária infringe o decreto,
uma vez que as decisões sobre os juros devem levar em consideração o objetivo
estabelecido não só para os anos subsequentes, mas também para o corrente.
Ponto 6: Não há qualquer
menção sobre o efeito da indexação e, consequentemente, da contaminação do IPCA
pelo efeito da inércia inflacionária.
Como
a inflação medida pelo IPCA foi extremamente alta em 2015 (10,7%), a inércia
contribuirá de maneira relevante para manter o índice em patamares muito altos.
Quanto maior a leniência da política monetária em conter seus efeitos, maior
a sua duração. Por conseguinte, maior é o custo por parte do Banco Central (em
termos de aumento dos juros) para recolocar a inflação no centro da meta.
Em
suma, esse texto procurou mostrar os problemas na forma como o Banco Central
expôs seus argumentos para justificar a manutenção dos juros.
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