quarta-feira, 7 de março de 2018

Por quanto tempo os juros devem se manter baixos?

Texto publicado para o Portal Locus, no dia 08/12/2017.

A taxa básica de juros da economia brasileira (SELIC), atualmente em 7,0% a.a., representa o custo da tomada de dívida por parte do governo. A SELIC também funciona como um balizador de várias operações de crédito: quanto menor o seu nível, mais barato é o custo do dinheiro tomado de empréstimo por qualquer pessoa ou empresa. Em situações como essa, o consumo das famílias e os investimentos produtivos tendem a responder positivamente. Logo, como a roda da economia gira mais rápido, a inflação aumenta. Se, por outro lado, o objetivo envolve o controle dos preços, o Comitê de Política Monetária (COPOM) determina a elevação dos juros.
Ao longo dos últimos anos, já experimentamos ciclos de juros baixos (entre 2009 e 2010 e entre 2011 e 2013) para os padrões brasileiros, mas que não duraram muito tempo, conforme o gráfico abaixo.
Taxa SELIC – % a.a.
Fonte: Banco Central do Brasil.
Em 2009, o COPOM reduziu rapidamente os juros por conta dos efeitos da crise financeira internacional que levaram à queda do PIB do Brasil naquele ano (-0,1%). Como, no entanto, a recuperação da economia foi muito veloz já em 2010 (crescimento de 7,5%), os juros precisaram subir para evitar que a inflação acelerasse. Já entre 2011 e 2013, a SELIC caiu para a mínima de 7,25% a.a.. Os motivos que serviram de justificativa para esse fenômeno dizem respeito ao arcabouço de medidas Nova Matriz Econômica. Em primeiro lugar, o governo utilizou a política monetária e creditícia para ampliar e baratear o crédito. Também concedeu uma série de desonerações fiscais, como a da folha de pagamentos e da cesta básica, além de reduzir o valor da energia elétrica e do IPI. Por fim, segurou com mãos de ferro os chamados preços monitorados, ou seja, de produtos para os quais o poder público exerce algum controle, como combustíveis, transportes e energia. Contudo, esse excesso de intervencionismo gerou uma combinação indigesta: inflação muito alta e a maior recessão do Brasil em mais de um século de estatísticas entre 2015 e 2016, conforme o gráfico abaixo.
PIB – Variação acumulada nos últimos 5 anos – %
Fonte: IBGE. Projeções para 2017, 2018 e 2019 do Relatório FOCUS, do Banco Central, do dia 17/11/17.
Em função dessa conjuntura desfavorável, os juros precisaram subir para reequilibrar a inflação, permanecendo em 14,25% até outubro de 2016. A partir da breve análise desses eventos, cabem os seguintes questionamentos: a economia brasileira é capaz de sustentar níveis baixos da SELIC por mais tempo do que nos períodos recentes sem suscitar desequilíbrios macroeconômicos? Quais são as expectativas para o futuro dessa variável tão importante?
Para tentar antever o que vai acontecer com os juros nos próximos anos, é necessário avaliar três quesitos fundamentais: (1) a inflação corrente, ou seja, aquela vista pelo “retrovisor”; (2) as expectativas futuras de inflação e (3) o grau de ociosidade da economia.
  1. A inflação atual:
O IPCA encerrou os últimos 12 meses terminados em outubro em 2,7%. Vale lembrar que o Brasil trabalha com um sistema de Metas para a Inflação, que determina que o índice deve encerrar cada ano em 4,5%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. Ou seja, os preços estão bem-comportados.
  1. As expectativas futuras de inflação:
Ademais, as expectativas de inflação para o futuro estão ancoradas em torno do centro da meta para os próximos anos (4,02% em 2018, 4,25% em 2019 e 4,0% em 2020).
Caso o cenário não fosse esse, e tomando como verdadeira a premissa de que o Banco Central estivesse comprometido em manter a estabilidade do poder de compra da moeda, os juros teriam de subir.
  1. O grau de ociosidade da economia:
Ociosidade da indústria: no caso do nível de atividade, devemos observar algumas das medidas que medem a capacidade ociosa da economia. Os dados da Utilização da Capacidade Instalada – efetiva em relação à planejada – da CNI ainda mostram subutilização ainda considerável do parque produtivo nas indústrias brasileiras. O último levantamento, referente ao mês de outubro, aponta para 43,0 pontos, ou seja, bem abaixo da linha de 50, que denota a UCI de acordo com a projetada pelas firmas.  A interpretação dessa estatística deve ser vista de duas maneiras. Por um lado, a notícia é boa para a retomada da economia, uma vez que o aquecimento da demanda pode ser suprido rapidamente pela oferta. Por outro lado, trata-se de algo ruim para os investimentos: não faz sentido para o empresariado elevar a capacidade produtiva enquanto houver muita ociosidade do maquinário.
Ociosidade da mão de obra:  outro aspecto fundamental diz respeito ao uso de mão de obra, fator de produção fundamental em qualquer atividade econômica. A taxa de desemprego, mesmo que em leve trajetória de queda desde o segundo trimestre, segue em patamares muito altos de acordo com a PNAD Contínua do IBGE, fechando o período entre agosto e outubro em 12,2% da População Economicamente Ativa (PEA). Como há muitos trabalhadores disponíveis e a disputa entre as firmas por esses profissionais é pequena, a pressão sobre os salários e, consequentemente, sobre a inflação é reduzida.
Ociosidade do total da economia: aqui é possível analisar o hiato do produto, divulgado pelo IPEA. Os dados mostram que há espaço suficiente para o PIB cresça acima do potencial não só em 2018, como também em 2019 e 2020. Dito de outra forma, o indicador mostra que a demanda total ainda permanecerá inferior a oferta, ou seja, a capacidade máxima de produção de bens e serviços.
Nossa projeção:
Portanto, os elementos aqui considerados indicam que a economia brasileira deve conviver com juros baixos pelos próximos anos. Essa expectativa é corroborada pelo mercado financeiro, que projeta a taxa básica de juros para o fim de 2019, 2020 e 2021 em 8,0% a.a.. Ao contrário do período entre 2011 e 2013, a atual escolha de política monetária não deverá causar prejuízos do ponto de vista da estabilidade macroeconômica.
Contudo, mesmo com a SELIC no menor valor da história, o Brasil seguirá ocupando o quarto lugar no ranking dos países com as maiores taxas de juros do mundo, somente atrás da Argentina, da Rússia e da Turquia. Outro ponto importante nessa discussão nos remete à estrutura, ou seja, por que o Brasil convive com essa realidade há tanto tempo? Esse será justamente o tema do nosso próximo artigo.

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Informalidade e produtividade: o que dizem os dados?

Os efeitos da informalidade da mão de obra não estão circunscritos apenas ao mercado de trabalho e à qualidade dos vínculos. No âmbito social, trabalhadores sem carteira assinada são consideravelmente mais vulneráveis em comparação com seus pares que gozam de formalização, pois não estão habilitados ao uso dos programas governamentais criados para suavizar a renda ao longo do tempo, como o Seguro Desemprego em caso de perda do vínculo, aposentadoria (por idade ou por invalidez), além de outros benefícios. A ausência no recolhimento de impostos também gera um fardo para as finanças públicas, em virtude da queda de arrecadação.
O alvo desse artigo diz respeito a outro elemento muito importante do ponto de vista econômico: a relação entre informalidade e o nível de produtividade dos países. Empresas “frias” dispõem de uma vantagem competitiva porque não cumprem com as obrigações impostas pela lei, resultando em custos mais baixos. Por outro lado, há um limite para que venham a gerar economias de escala e, consequentemente, maiores vendas e crescimento. As firmas sob essa condição, por exemplo, podem acessar linhas de crédito específicas, mas estão sujeitas a taxas de juros ainda mais elevadas do que as praticadas para as que dispõem de CNPJ. Como resultado, a demanda por recursos para o subconjunto em questão é naturalmente menor.
Esse fenômeno prejudica o processo de “destruição criativa” da economia, no qual as firmas menos eficientes dão lugar às de maior produtividade. Sem esse processo, a inovação tecnológica, um dos principais motores do aumento da renda, tende a diminuir consideravelmente.
Vamos analisar essa questão a partir dos dados do gráfico abaixo, que mostra a relação existente entre o percentual da mão de obra que se declara empregador por conta própria (proxy para informalidade) e o nível da produtividade, medido pelo PIB (PPP) por hora trabalhada para um conjunto de 60 países, a partir das estatísticas do Banco Mundial e da Conference Board, respectivamente. Para evitar distorções relativas à escolha de um ano específico, procedeu-se a média aritmética das variáveis entre 2010 e 2013. Há uma clara correlação negativa entre as séries (-0,72), ou seja, nações onde há maior informalidade do trabalho estão associadas a níveis mais baixos de produtividade. O Brasil está destacado no ponto laranja. Os valores podem ser consultados no link abaixo,

Informalidade e produtividade
(% das pessoas que se declara empregador por conta própria e PIB por hora trabalhada (em US$ PPP de 2016)
Que tal investigarmos o caso do Brasil com um pouco mais de detalhe, relacionando-o com o ciclo da economia? Para tanto, vamos analisar a relação entre o Índice de Formalidade da mão de obra (compilado pelo Ministério do Trabalho) e o PIB, medido pela sua proxy mensal, o IBC, do Banco Central. Após o cálculo da variação acumulada em 12 meses para ambas as séries, verificamos uma correlação muita alta entre ambas (0,88), conforme o segundo gráfico ao lado (versão interativa nos comentários). É importante notar que a tendência do IBC parece antecipar os movimentos do Índice de Emprego Formal, reforçando a ideia de rigidez existente no mercado de trabalho brasileiro.

IBC-BR e Índice de Emprego Formal
(Var. % acumulada em 12 meses)

Contudo, como correlação não implica em causalidade, vamos realizar o teste de causalidade de Granger. A função Varselect do R indica que o número de lags ótimo para o teste é 4, de acordo com três dos quatro critérios de informação (AIC, HQ e FPE). O p-valor do teste para IBC Granger-causa o Emprego Formal é de 3,104e-05. Por sua vez, a estatística para Emprego Formal Granger-causa o IBC é de 2,161e-07.
Os resultados dos testes, portanto, apontam para a existência de dupla relação de causa no sentido de Granger. Nesse sentido, o crescimento da economia é benéfico para elevar a formalidade, ou seja, a existência de mais ou menos trabalhos com carteira assinada apresenta um componente cíclico, determinado pelas flutuações do PIB. Além disso, as ações específicas para combater a informalidade, no sentido de reduzir os custos para contratar e demitir trabalhadores, também geram efeitos benéficos para o crescimento sustentado do nível de atividade.

Gráficos interativos:

Informalidade e produtividade: http://rpubs.com/oscarfrank/304239
IBC-BR e Índice de Emprego Formal: http://rpubs.com/oscarfrank/304240

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Queda da taxa de desemprego: não há o que comemorar

O mercado de trabalho é um dos principais pontos de fragilidade da economia brasileira, despertando a atenção de especialistas e do governo. A interação entre ofertantes e demandantes de mão de obra apresenta grande relevância para explicar a dinâmica do consumo das famílias e dos serviços, componentes que respondem pela esmagadora maioria do PIB pelas óticas da demanda e da oferta, respectivamente.

Recentemente, o IBGE divulgou os dados mais recentes da PNAD-Contínua. Trata-se da principal pesquisa em âmbito nacional que permite o acompanhamento de importantes variáveis do mercado de trabalho. A aparente melhora da taxa de desemprego na passagem do primeiro para o segundo trimestre de 2017 foi um dos destaques veiculados pelas principais mídias. Entretanto, a análise dessa estatística, isoladamente, esconde algo preocupante.

Apesar da queda do percentual de trabalhadores sem ocupação no período, de 13,7% para 13,0% (sem levar em consideração os efeitos sazonais), houve uma piora na qualidade dos vínculos. Em primeiro lugar, o número de postos de trabalho com carteira assinada no setor privado apresentou leve queda em termos absolutos entre abril e junho em relação a janeiro e março, mantendo trajetória ininterrupta de retração desde o início de 2014.

Ao mesmo tempo, o total de trabalhadores informais na iniciativa privada aumentou em aproximadamente 450 mil nessa base de comparação: de 10,2 milhões para 10,6 milhões. Como resultado, voltou para o mesmo nível visto em 2013. De acordo com a definição metodológica, a inexistência de formalização também caracteriza vínculo empregatício.

O baixo dinamismo da atividade econômica também provocou a elevação dos trabalhadores por “conta-própria” – aqueles que decidem abrir seu próprio empreendimento e não contam com funcionários. O total desse subconjunto da população avançou de 22,1 milhões para 22,5 milhões.

Seguindo a definição sugerida por Barbosa Filho e Moura, a taxa de informalidade, medida pela proporção entre trabalhadores sem carteira e os empregados (com e sem carteira), aumentou 0,8 ponto percentual na passagem do primeiro para o segundo trimestre de 2017, consolidando tendência de alta iniciada em meados de 2016, conforme o gráfico abaixo. É o pior resultado desde 2012, quando a pesquisa começou. Consulte a versão interativa do mesmo aqui: http://rpubs.com/oscarfrank/302683


As consequências do aumento dessa variável são bastante indesejáveis do ponto de vista econômico, social e para a sustentabilidade das finanças públicas, conforme texto que ainda está em desenvolvimento pelo blog.

Portanto, a queda da taxa de desemprego ocorreu concomitantemente à piora na composição do mercado de trabalho. Conforme já vimos anteriormente, essa é a última ponta por onde a retomada econômica se manifesta, em função dos custos elevados para contratar e demitir no Brasil. Por essa razão, os sinais de recuperação do nível de atividade precisam ser mais consistentes para elevar novamente o número de postos de trabalho formais.

Referência: Evolução Recente da Informalidade no Brasil: uma Análise Segundo Características da Oferta e Demanda de Trabalho (2012) - Texto para discussão número 17 - FGV
Autores: Fernando Holanda Barbosa Filho e Rodrigo Leandro de Moura

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Esclarecimentos sobre o novo valor do Salário Mínimo

O novo valor do Salário Mínimo para 2018 ainda repercute negativamente junto à população brasileira. Alguns veículos e mídias foram responsáveis por distorcer o anúncio feito pelo governo, gerando enorme confusão. O objetivo desse texto é explicar o que aconteceu para evitar a propagação de desinformação.
É preciso deixar claro que não haverá queda do Salário Mínimo no ano que vem: o que existe, na realidade, é a expectativa de menor crescimento. O valor atual, de R$ 937, deverá alcançar R$ 969 (alta de 3,4%) conforme a nova projeção, e não mais R$ 979 (avanço de 4,5%). A mudança está prevista na Lei 13.152/2015, que rege a política de valorização do Mínimo. Segundo a regra vigente, o reajuste deve levar em conta a variação do PIB de dois anos atrás em relação ao período de referência, acrescida da inflação (medida pelo INPC) do ano imediatamente anterior. Desde 2008, a correção da quantia mínima recebida por um trabalho formal (com carteira assinada) segue de perto esse preceito, conforme o gráfico abaixo. Consulte a versão interativa aqui: http://rpubs.com/oscarfrank/301704

Salário Mínimo e Regra de reajuste
(variação % em relação ao ano anterior)
No caso de 2018, deve-se considerar, em primeiro lugar, a variação do PIB de 2016 (-3,6%). Caso o princípio legal fosse seguido à risca, a recessão do ano passado deveria contribuir para reduzir o Salário Mínimo. Todavia, existe um preceito tácito já aplicado pelo governo nesse ano: eventuais quedas da atividade econômica, como em 2015, não contribuem negativamente para o reajuste. Esse fator, portanto, é neutro na aplicação da correção. Isso posto, resta como alternativa investigar o comportamento da inflação.
À época do anúncio da Lei de Diretrizes Orçamentários (LDO) de 2018, em abril desse ano, a projeção para o INPC por parte do governo era de 4,5%, muito próxima da mediana das expectativas de mercado conforme o Relatório FOCUS, do Banco Central, naquela ocasião. Agora o INPC esperado pelas instituições financeiras participantes do Relatório em 2017 é de 3,5%. Ou seja, houve apenas uma readequação do valor do Mínimo com base nos números mais recentes. Isso, contudo, pode mudar, uma vez que a inflação acumulada em 2017 só será conhecida no início de 2018.
O alívio gerado junto às contas públicas pelo menor crescimento do Mínimo é de R$ 3 bilhões, fruto da existência de benefícios assistenciais e previdenciários atrelados ao seu nível. Entretanto, essa ainda é uma economia muito pequena, diante do tamanho do rombo existente nas contas públicas. Recentemente o governo anunciou a nova meta para o resultado primário em 2017 e 2018, ou seja, da diferença entre receita e despesa sem levar em consideração o pagamento de juros da dívida: déficit de R$ 159 bilhões.
É importante lembrar que a regra de correção do Salário Mínimo contribui para aumentar a indexação da economia, ou seja, eleva a inércia inflacionária porque devolve automaticamente toda a inflação acumulada no período anterior. A boa teoria econômica nos diz que ganhos salariais acima da produtividade não geram aumento do poder de compra porque são compensados pelo aumento do nível geral de preços.
Outro ponto importante para reflexão diz respeito ao uso do PIB na composição da regra, dado que essa variável não mede produtividade. É perfeitamente possível, por exemplo, que o total de bens e serviços da economia cresça em valores absolutos, mas que o produto por unidade de mão de obra seja menor. Há, muitas vezes, dificuldade no tocante à obtenção de uma medida da produtividade agregada da economia, que leve em consideração as particularidades de cada um dos setores produtivos.
O menor crescimento do Mínimo também repercute sobre alguns estados diretamente. Alguns deles, como na Região Sul e alguns do Sudeste adotam a política de Piso Regional, que nada mais é do que a valorização do Mínimo nacional. Na medida em que esse avança menos, o avanço esperado para as Unidades da Federação também é menor.
Portanto, o novo reajuste esperado para Mínimo para 2018 apenas segue a regra estipulada para a sua correção anual. O valor deverá crescer menos por conta da queda esperada da inflação.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Como calcular o impacto do reajuste dos combustíveis sobre a inflação?

Em função da dificuldade de atingir a meta de déficit primário de R$ 139 bilhões em 2017, o governo determinou o aumento do PIS/COFINS sobre os combustíveis. Segundo estimativas oficiais, a medida deve gerar aproximadamente R$ 10 bilhões para os cofres públicos. Além do efeito sobre o lado fiscal, a elevação do imposto também repercute sobre o nível geral de preços da economia. O objetivo desse artigo é estimar o impacto das novas alíquotas sobre o IPCA, além de discutir seus desdobramentos para a política monetária.
A primeira etapa consiste na obtenção dos preços médios ao consumidor para cada um dos três tipos de combustíveis antes da vigência das novas regras, de acordo com os dados da ANP. Conforme o anúncio, os incrementos foram de R$ 0,4109 para a gasolina, R$ 0,1218 para o etanol (já considerando o erro prévio de cálculo do governo e sua correção) e R$ 0,2135 para o óleo diesel. De posse dos valores iniciais e finais, é possível calcular a variação dos preços.
O segundo elemento essencial para o cômputo diz respeito ao peso de cada um dos respectivos itens no índice oficial de inflação do Brasil do mês de junho, de acordo com a pesquisa mensal do IBGE. A influência é gerada a partir da multiplicação dos ponderadores pela variação dos preços. O resultado final é de acréscimo de 0,5 ponto percentual no IPCA, número consistente com o apontamento da última nota do Comitê de Política Monetária (COPOM). A síntese dos resultados está na tabela abaixo.


Vale lembrar que essa estimativa leva em consideração apenas o impacto direto do reajuste. Isso se deve ao fato de que o diesel, por exemplo, é intensivamente utilizado para o transporte de inúmeras cargas. A Associação Brasileira de Logística e Transporte de Cargas (ATNC) aponta, por exemplo, que o diesel responde por 40% do custo do frete.
Ainda que o impacto sobre a inflação não seja desprezível, o cenário ainda é relativamente confortável para a extensão do ciclo de queda da Taxa SELIC. A mediana das expectativas de mercado do IPCA, com base no Relatório FOCUS, apontava para 3,29% no acumulado de 2017 em 14 de julho. Mantidas as demais variáveis constantes, a projeção deverá crescer para 3,8%, valor que ainda está muito distante do centro da meta, de 4,5%. Diante da fraqueza do nível de atividade e do mercado de trabalho, e como as incertezas recentes de ordem política produziram impactos neutros sobre o quadro inflacionário, o aumento dos combustíveis não alterou o ritmo de corte dos juros básicos da economia em 1,00 ponto percentual, conforme anúncio realizado na semana passada.
A elevação da alíquota sobre os combustíveis, portanto, não deve causar mudanças na política monetária no futuro, uma vez que a dinâmica inflacionária segue benigna.

sexta-feira, 14 de julho de 2017

BNDES: formas de financiamento e estimativa do custo com equalização de juros

Amigos,
Esse vídeo trata de um assunto em voga no debate econômico atual: o BNDES. Você sabe quais são as suas fontes de financiamento? Quer ter uma ideia da magnitude do custo arcado pelos pagadores de impostos com os empréstimos subsidiados pelo Banco -- a chamada equalização de juros? Quer entender um pouco da polêmica envolvendo a criação da TLP e a extinção da TJLP? Então confira abaixo!


segunda-feira, 10 de julho de 2017

Por que a arrecadação de impostos ainda não reagiu?

O PIB do Brasil entre janeiro e março cresceu 1,0% em relação aos três últimos meses de 2016, na série com ajustamento sazonal. Foi o primeiro resultado positivo desde o quarto trimestre de 2014 (+0,3%) e o melhor nessa base de comparação desde o segundo trimestre de 2013 (+2,3%), de acordo com o levantamento do IBGE. Como já vimos em outro artigo, a arrecadação de impostos é pró-cíclica, ou seja, responde positivamente às variações do nível de atividade. Entretanto, os dados mostram que o incremento das receitas federais do governo nesse período foi anêmico: no acumulado de janeiro até março de 2017 em relação ao mesmo período de 2016, houve elevação de apenas 0,08% em termos reais, ou seja, desconsiderando os efeitos da inflação medida pelo IPCA. No acumulado dos cinco primeiros meses do presente ano, a alta é de 0,35%.
O objetivo desse artigo é tratar dos motivos que explicam esse aparente paradoxo.
Para entender essa questão, é necessário analisar as estatísticas desagregadas das Contas Nacionais. Na abertura pela ótica da oferta, a agropecuária foi o grande destaque (+13,4%). A supersafra de grãos, favorecida pelas condições climáticas e pela base de comparação deprimida, contribuiu para o resultado. Segundo as estimativas da CONAB, o aumento esperado de produtividade da safra 16/17 de grãos em comparação com a imediatamente anterior, variável que determina em boa medida o valor adicionado pelo setor primário, é de 21,1%. Já na abertura pela ótica da demanda, as exportações apresentaram grande relevância, com avanço de 4,8%. A recuperação dos preços internacionais, sobretudo das commodities, explicam a maior parte do fenômeno. Os preços dos produtos básicos exportados pelo Brasil, por exemplo, aumentaram 35,3% entre janeiro e junho.
Contudo, as categorias que alavancaram o PIB são justamente as que apresentam o menor potencial de arrecadação de impostos. Em primeiro lugar, a agropecuária está entre os ramos menos tributados, como mostram as estimativas de carga tributária setorial da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN). Enquanto a carga para a agropecuária e a indústria extrativa é de apenas 6,3%, a média da economia atinge 28,2%. Vale lembrar que os impostos averiguados pela pesquisa incluem PIS/COFINS, INSS e ICMS, descontados os subsídios. Por sua vez, as exportações apresentam diversas desonerações, conforme a legislação vigente.
Em estudo do Instituto Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, publicado no mês de abril, os autores afirmam que o grande motor da arrecadação é a absorção doméstica, composta pelo consumo das famílias e os investimentos, e não o PIB como um todo, que além desses também inclui os gastos do governo e o setor externo – a diferença entre exportações e importações. E foi justamente a absorção doméstica a causa principal da brutal recessão iniciada ainda em 2014 e que ainda impõe um fardo considerável para a expansão da renda.
O comportamento esperado dessa variável nos próximos meses inspira preocupação. Enquanto o consumo das famílias deve se manter arrefecido em função da deterioração do mercado de trabalho, que responde com defasagem ao ciclo econômico, a retomada dos investimentos produtivos deve ser ainda mais lenta do que o esperado, em função do impacto negativo da crise política, da demora em aprovar as reformas e da própria recuperação letárgica da economia sobre a confiança dos empresários.
Portanto, a agropecuária e as exportações, os setores mais dinâmicos da economia brasileira no momento, não devem contribuir tanto para a arrecadação de impostos e, consequentemente, para o ajuste fiscal. Logo, a necessidade de controle dos gastos públicos para melhorar as contas públicas e recuperar a capacidade do estado em realizar políticas anticíclicas aumenta. Outra alternativa, bem mais dolorosa do ponto de vista da atividade, envolve a majoração de impostos. Todavia, como artigos recentes demonstram, ajustes fiscais calcados no corte de gastos são muito mais benéficos em comparação com a elevação dos tributos, uma vez que a primeira alternativa praticamente não traz prejuízos do ponto de vista do crescimento econômico meses depois de sua implementação.

Arrecadação federal de impostos
(Deflacionada pelo IPCA acumulado até jun/17 | Variação % acumulada entre janeiro e maio de cada ano em relação ao mesmo período do ano anterior)
Fonte: Receita Federal.
Confira o gráfico interativo aqui: http://rpubs.com/oscarfrank/290418

quarta-feira, 5 de julho de 2017

Decomposição do crescimento econômico do Brasil

Esse vídeo aborda a decomposição do crescimento econômico do Brasil realizada pelo IPEA em sua Carta de Conjuntura número 34. Além de explicar o porquê essas estimativas são úteis e o significado da Produtividade Total dos Fatores, comentamos os resultados e as suas relações com cada período histórico. Por fim, mostramos qual deve ser a fonte geradora de crescimento econômico caso o Brasil queira aumentar sua renda de maneira sustentada.


segunda-feira, 26 de junho de 2017

Índice de Surpresa Inflacionária

Mesmo em um ambiente contaminado por incertezas de ordem política e econômica, o cenário inflacionário representa um dos poucos elementos capazes de auxiliar o processo de retomada. A dinâmica favorável do IPCA, as expectativas bem ancoradas, a atividade combalida, o comportamento benigno dos preços dos alimentos e a adoção de um comprometimento futuro com o ajuste fiscal (PEC do Teto) são algumas das causas responsáveis pelo atual ciclo de queda da SELIC. A redução da taxa básica de juros, entre outros efeitos, melhora a situação financeira dos consumidores e dos empresários, aumentando sua propensão ao consumo, aos investimentos e aos demais tipos de gastos.
O objetivo deste artigo é mostrar como o Índice de Surpresa Inflacionária pode ser útil, especialmente para os analistas cujo interesse é a política monetária brasileira.
O indicador é composto pela diferença entre (1) a mediana das previsões do mercado financeiro do Relatório FOCUS, do Banco Central e (2) a inflação efetiva, calculada pelo IBGE. Com relação ao primeiro, foram selecionadas as últimas estimativas para cada mês, exatamente um dia antes da divulgação da estatística oficial. É justamente a distância entre a expectativa feita com o melhor conjunto de informação disponível pelo mercado e o dado consolidado que chamamos de “surpresa”. Valores positivos indicam que o IPCA, calculado pelo IBGE, foi inferior à expectativa, e vice-versa.
O gráfico abaixo mostra a soma acumulada em 12 meses da Surpresa Inflacionária para toda a série histórica, com início em março de 2001. Em primeiro lugar, destaca-se que a variável permaneceu no terreno negativo ao longo da maior parte desse período, mostrando especial resiliência entre 2008 e 2016, anos para os quais o IPCA fechou próximo ou mesmo acima da meta de inflação de 6,5%. Nesse período, como demonstram os índices de credibilidade, o Banco Central teve dificuldades em ancorar as expectativas, o que gerou, além da aceleração da inflação, surpresas inflacionárias negativas. Você pode conferir o gráfico interativo através desse link:  http://rpubs.com/oscarfrank/287540


Vale ressaltar também que o dado mais recente nunca foi tão alto: já são 0,62 pontos percentuais no acumulado em 12 meses com término em maio. Ou seja, as surpresas inflacionárias são favoráveis, o que abre espaço para que a autoridade monetária estenda o ciclo de redução dos juros mantendo o poder de compra da moeda.
Outro período interessante para análise está entre meados de 2011 e 2013, quando o Banco Central iniciou um ciclo de queda da SELIC mesmo com a inflação bastante pressionada. A surpresa inflacionária piorou ao longo de boa parte de 2012 até meados de 2013, gerando controles pontuais sobre os preços de alguns dos produtos monitorados pelo governo visando o cumprimento da meta, além de grande uso dos swaps cambiais para evitar a desvalorização da taxa de câmbio e, consequentemente, seus impactos sobre os preços (efeito pass-through). Com o esgotamento da estratégia e o recrudescimento das pressões inflacionárias, a política monetária tornou-se contracionista. Resultado? Os juros mais altos em 10 anos.
Em suma, a surpresa inflacionária positiva é um dos elementos que sustenta a atual postura por parte do Banco Central. Entretanto, são necessárias outras medidas para que esse processo se prolongue de maneira consistente, sem prejudicar os fundamentos. Isso só é possível a partir de ações que enfraqueçam o caráter estrutural da inflação, como, por exemplo, o combate à elevada indexação e às pressões de demanda oriundas do Setor Público.

sexta-feira, 16 de junho de 2017

Comentário sobre a mudança do centro da meta de inflação para 2019


O Conselho Monetário Nacional (CMN) deverá reduzir a meta de inflação de 4,5% para 4,25% a partir de 2019, em reunião a ser realizada no próximo dia 29, conforme notícias do Valor e do Infomoney.

O nível supracitado aproxima o Brasil dos demais países que também operam sob o mesmo regime monetário, embora a distância ainda seja relevante, especialmente com relação aos desenvolvidos. A meta de inflação nos Estados Unidos, Zona do Euro e Japão, por exemplo, é de 2,0%, e de 3,0% para nações emergentes como o Chile, Colômbia e México. 

Há, inegavelmente, uma janela de oportunidade para promover essa revisão, uma vez que as expectativas dos agentes de mercado para 2019, 2020 e 2021, conforme o último Relatório FOCUS do Banco Central, se encontram ancoradas justamente em 4,25%. Ou seja, o mercado acredita que a mudança é crível, dado o conjunto de informação disponível até o momento.

Entretanto, o Sistema de Metas pressupõe, entre tantos outros fatores, o equilíbrio fiscal como condição fundamental para o seu sucesso. Sem reformas para controlar os gastos, a pressão de demanda sobre a inflação continuará relevante, o que obrigará a autoridade monetária a adotar taxas de juros mais altas para atingir o objetivo proposto. Nesse cenário, a atividade econômica é mais lenta, o custo do endividamento do governo é maior e há maior pressão para a sobrevalorização da taxa de câmbio.

A margem fiscal, ou seja, o percentual de despesas passível de contingenciamento por parte do governo federal é muito pequena, totalizando apenas 9% orçamento. A aprovação da PEC do Teto foi importante, mas requer um conjunto de modificações legais e constitucionais para impedir que os dispêndios, essencialmente no que tange à Assistência Social, cresçam de maneira explosiva.

Portanto, a efetividade da alteração da meta de inflação sobre o equilíbrio macroeconômico do país dependerá, em grande parte, dos esforços para adequar o tamanho do Estado aos gastos. Nesse sentido, as reformas são vitais não só para alcançar o equilíbrio fiscal, mas para modernizar o país, permitindo que a oferta se expanda para acelerar a recuperação cíclica da economia sem a corrosão do poder de compra da moeda.