sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Considerações sobre a hipótese neofisheriana

Os debates envolvendo a hipótese neofisheriana ganharam espaço nos principais veículos de comunicação das últimas semanas. O objetivo desse texto não é explicar seu significado nem suas principais implicações, mas trazer duas observações que, no meu entendimento, são importantes.

1º) O nome do artigo de John Cochrane é "Michelson-Morley, Occam and Fisher: The Radical Implications of Stable Inflation at Near-Zero Interest Rates". Somente a análise do título já deixa claro que o escopo do trabalho se restringe a casos muito específicos de países notadamente marcados por políticas monetárias bastante acomodatícias, e que também experimentaram, ao longo dos últimos anos, inflação próxima a zero.

A realidade brasileira, no entanto, é completamente diferente do objeto de análise investigado por Cochrane. Nossos juros, por exemplo, estão bem distantes de zero: em termos nominais, inclusive, estamos em terceiro lugar no ranking mundial, somente atrás da Argentina e da Venezuela. Sequer, também, temos inflação baixa e estável (muito pelo contrário!).

As evidências empíricas para o Brasil vão ao encontro da teoria predominante, ou seja, uma política monetária contracionista (elevação dos juros) atua para tornar a atividade econômica menos dinâmica e vice-versa. Basta lembrar do que aconteceu a partir de agosto de 2011, quando o Banco Central iniciou um ciclo de redução da SELIC sem qualquer fundamento, alegando pretensos efeitos recessivos oriundos da "crise internacional" sobre o nível de atividade. Posteriormente, para conter a inflação, a autoridade monetária necessitou aumentar a SELIC.

Qualquer tentativa de transportar eventuais lições do artigo de Cochrane para o caso brasileiro constitui pura desonestidade intelectual.

2º) A grande inquietação do autor diz respeito às maciças injeções de liquidez, aliadas à manutenção de juros extremamente baixos (negativos, em alguns casos), que não redundaram em aumento da inflação nas nações desenvolvidas. Pela teoria econômica convencional, quanto maior a oferta de um bem ou serviço, menor o seu preço. No caso da moeda, quanto mais moeda existe em circulação, menor é o poder de compra, ou seja, maior é a inflação.

Acontece que políticas monetárias não-convencionais, como o Quantitative Easing, associadas a juros extremamente baixos, constituem algo muito recente dentro da histórica econômica mundial. Esse arcabouço foi posto em prática após a eclosão da crise financeira internacional de 2007/2008, primeiramente nos Estados Unidos. Desde então, alguns países e a Zona do Euro adotaram procedimentos cujo o objetivo era o mesmo, ainda que com algumas diferenças do ponto de vista operacional: diminuir os juros na parte longa da curva. Vale lembrar que algo semelhante foi executado no Japão na década de 90, mas nada que se compare a magnitude dos programas de hoje em dia.

Como é possível inferir a existência de uma relação positiva entre juros e inflação no longo prazo se nem dez anos se passaram? A validação empírica de qualquer relação entre variáveis em um horizonte mais amplo carece de um número bem maior de observações. É factível, portanto, que todo esse conjunto de políticas resulte, sim, em mais inflação nos países desenvolvidos, porém somente no longo prazo. A conferir.

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