sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

É possível gerar crescimento utilizando o FGTS para bancar o crédito consignado?




O governo anunciou recentemente que planeja enviar para o Congresso Nacional uma Medida Provisória que muda as regras do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O objetivo é que o montante equivalente a 10% do saldo acumulado, além da multa aplicada sobre os trabalhadores demitidos sem justa causa (40%) seja utilizado como garantia para o financiamento do crédito consignado. Na avaliação dos formuladores de política econômica, essa medida pode ajudar o Brasil a sair da crise. O objetivo desse artigo é debater o real alcance dessa proposição.




Um ponto de partida razoável para avaliar o impacto potencial dessa MP é analisar os dados referentes ao saldo de crédito voltado para a pessoa física na modalidade consignado, de acordo com o Banco Central. São três grandes grupos: empregados no setor privado, público e beneficiários do INSS. A distribuição para o mês de dezembro de 2015 mostra que a maior parte dos recursos foram direcionados aos dois últimos (não houve alterações significativas nessa composição ao longo dos últimos anos). Isso se explica pelo fato de que a estabilidade está constitucionalmente assegurada para os estatutários, enquanto aos aposentados e pensionistas é garantido o recebimento dos seus benefícios. Por outro lado, os celetistas podem ser demitidos a qualquer momento, gerando incerteza sobre o fluxo de caixa futuro.

Distribuição do saldo de crédito para pessoas físicas - modalidade crédito consignado
(Dezembro de 2015)


Outra etapa da investigação envolve a comparação entre o estoque de trabalhadores da Administração Pública, o número de beneficiários do INSS e a estimativa de demissão de trabalhadores em 2016. Cabe ressaltar que somente para esse grupo será possível utilizar o percentual máximo previsto (50%). Aqui, assume-se que a lei não será retroativa, ou seja, valerá somente para os que ficaram desempregados a partir de sua publicação. Tomando como base a previsão de destruição de postos de trabalho da LCA Consultores (1,46 milhão) e as estatísticas do Ministério da Previdência Social e da RAIS, a diferença do terceiro grupo para os demais é substancial.


Total de vínculos formais de trabalhado da Administração Pública (2014), número de beneficiários do INSS (2014) e expectativa de demissões para 2016
(Em unidades)
 



No entanto, as informações supracitadas, por si só, não são suficientes, uma vez que é necessário levar em consideração a média salarial dos trabalhadores do setor privado e do público (que servem como base para a composição do valor do FGTS). Ainda de acordo com os vencimentos médios mensais disponíveis na RAIS (que incluem férias e 13º salário), os estatutários ganham, em média, 60% a mais em comparação com os celetistas. Tanto pela quantidade quanto pelo rendimento, a base de incidência para o conjunto de interesse é bem menor.


Vencimentos médios mensais por trabalhador em 2014
(Em R$ de 2014)


Por fim, é necessário ponderar o impacto referente aos 10% do saldo do FGTS. O patrimônio do Fundo, de acordo com as informações da Caixa Econômica, é de R$ 400 bilhões. Ou seja, o teto máximo teórico do impacto da medida é R$ 40 bilhões. Algumas notícias dão conta que o governo espera gerar até 6 bilhões em crédito. Fica evidente que o choque gerado sobre a economia é diminuto, uma vez que esse valor representa apenas 2,2% do total de crédito consignado para pessoas físicas. Além disso, sabe-se que o cerne da atual crise não diz respeito à ausência de crédito, mas sim a deterioração do quadro fiscal, aliado à turbulência política.

Fontes:

Distribuição do saldo do crédito consignado (BCB - Quadro 6)
Número de trabalhadores da Adm. Pública e vencimentos mensais médios (RAIS)
Beneficiários do INSS (Ministério da Previdência Social)

6 comentários:

  1. Muito boa análise Oscar! Destrinchou de forma didática os possíveis efeitos da medida. Pra quem está no governo, às vezes pra tentar vender a proposta exagera nos seus benefícios, muita calma nessa hora né.

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  2. Parabéns,sempre muito explicativo e realista

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  3. Oi, Renato! Muito obrigado pelo elogio.

    Sim, infelizmente esse é um problema recorrente. É lamentável.

    Um abraço!

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  4. Prezado Acionista25,

    Muito obrigado pelo elogio!

    Um abraço!

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