sábado, 31 de janeiro de 2015

Qual o motivo do rombo das contas externas do Brasil?

A conta "Transações Correntes" do Balanço de Pagamentos de um determinado país representa o registro sistemático do comércio de bens e serviços e do fluxo de rendas com outras nações num determinado período de tempo. Caso a rubrica apresente déficit (importações maiores que exportações), diz-se que a poupança externa é positiva. Isso significa que a geração interna de poupança é incapaz de financiar o investimento da economia, sendo necessário que ela absorva mais recursos vindos de fora para essa finalidade.

É necessário lembrar que déficits nas Transações Correntes, por si só, não necessariamente representam algo ruim para a economia. Se houver, pelo lado da Conta Capital e Financeira, um ingresso de capitais (na forma de Investimento Estrangeiro Direto e outras modalidades) suficiente, não haverá qualquer tipo de problema do ponto de vista da sustentabilidade das contas externas. Entretanto, quanto maior for o déficit em Transações Correntes, menor é a disposição dos financiadores em cobrir a diferença.

Em dezembro, o déficit em Transações Correntes alcançou seu maior patamar em 13 anos (4,17% do PIB). A dinâmica dessa variável passou a gerar preocupação principalmente a partir de 2013, uma vez que os ingressos de recursos via Conta Capital e Financeira não apresentam crescimento sustentado. Vale ressaltar que a situação só não se agravou anteriormente porque, até 2011, os preços das commodities mantinham uma trajetória ascendente, o que gerou grandes excedentes na Balança Comercial. A compreensão da dinâmica da deterioração das Transações Correntes passa pela piora da balança comercial de produtos manufaturados, conforme o gráfico abaixo.

Transações Correntes (% do PIB em 12M) e Saldo da Balança de Manufaturados (US$ milhões)

Por um lado, desde 2008, as exportações dos produtos de maior valor agregado do Brasil "andam de lado". Nesse sentido, a eclosão da crise financeira internacional fez com que, de maneira geral, vários países gerassem um crescimento mais voltado para dentro (a taxa de crescimento das importações mundiais caiu abruptamente em relação ao pré-crise). Além disso, o aumento da concorrência internacional (sobretudo dos produtos chineses) também explica esse desempenho. 

O elemento chave para o diagnóstico da piora do saldo comercial dos manufaturados se justifica, portanto, pela majoração das importações. Em primeiro lugar, a manutenção de uma taxa de câmbio sobrevalorizado ao longo dos últimos anos gerou, pelo lado do consumo, um efeito riqueza que incentivou as compras no exterior. Soma-se a isso o conjunto de medidas adotadas pelo governo para estimular a demanda, num modelo de crescimento que foi aprofundado a partir da crise. Essa escolha acabou penalizando o lado da produção, que viu seus custos aumentarem abruptamente (ver texto "Pressão de custos sobre a indústria").
O ajustamento das Transações Correntes irá requerer uma transformação econômica considerável, a partir de políticas que favoreçam o lado da oferta. Todavia, mesmo que algo seja feito logo, os efeitos ainda levarão tempo para serem sentidos. Aumentar a poupança interna (sobretudo a pública) também melhoraria esse quadro.

Fonte: Transações Correntes (% do PIB em 12M): Série 11726 do SGS (Banco Central).
Exportações e importações de manufaturados: FUNCEX.

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