quinta-feira, 30 de abril de 2015

Canais de transmissão da política monetária

Quando o Banco Central do Brasil modifica as taxas básicas de juros da economia (SELIC), vários são os efeitos gerados sobre outras importantes variáveis. Isso é conhecido, dentro da literatura adequada, por mecanismos de transmissão da política monetária. Os principais serão tratados nos próximos parágrafos.


Em primeiro lugar, a taxa de juros real, ou seja, a taxa nominal descontada a inflação, afeta as decisões de investimento e poupança dos indivíduos. Isso porque, no primeiro caso, os juros representam o custo de oportunidade do investimento: os projetos dos empresários serão cada vez mais viáveis do ponto de vista econômico quanto maior for a distância da taxa de retorno do empreendimento em relação à SELIC. Caso contrário, valerá a pena aplicar o capital e receber a remuneração com um risco praticamente inexistente de calote. Para a poupança, o raciocínio é análogo.


A SELIC também exerce papel fundamental sobre o crédito. Se a taxa básica se eleva, o Banco Central desincentiva as instituições financeiras comerciais a concederem operações de crédito. Essa diminuição impacta, por exemplo, os recursos contraídos pelas famílias que se destinam à compra de bens de consumo.


Destaca-se também a influência sobre a taxa de câmbio. Quanto maior a taxa básica de juros, mais forte tende a ser o Real em comparação com o Dólar. Isso porque, mantidas as outras variáveis constantes, os juros mais altos tendem a atrair capital estrangeiro para o nosso País, em busca dos rendimentos mais altos. A elevação da oferta de moeda estrangeira acaba por diminuir o seu valor frente à moeda doméstica.


Também há o efeito sobre a expectativa dos agentes. Uma política monetária conduzida de uma forma não adequada pode acabar contaminando negativamente o que os agentes econômicos esperam, por exemplo, sobre o comportamento futuro da inflação.


O último aspecto aqui tratado diz respeito ao efeito riqueza dos agentes. Quanto menor os juros, maior acaba sendo o valor das ações (decorrente de um aumento da procura por esses papeis) e dos títulos públicos carregados pelas pessoas.


Abaixo, há um exemplo sobre um dos mecanismos de transmissão da política monetária. O gráfico traça conjuntamente a taxa SELIC mensal e o endividamento das famílias em relação à renda acumulada dos últimos 12 meses (excluindo o crédito habitacional) entre janeiro de 2005 e fevereiro de 2015. Há uma correlação negativa significativa entre as variáveis, ou seja, juros mais baixos tendem a estimular o endividamento, e vice-versa. Essa relação era esperada, uma vez que o montante a ser pago pelos financiamentos se reduz a partir de uma diminuição dos juros, permitindo um maior endividamento.

Taxa de Juros (SELIC-Over) e endividamento das famílias (excluindo crédito habitacional)
(Em % ao mês e % em relação à renda acumulada nos últimos 12 meses)

Esse fator deverá contribuir para obstruir ainda mais o canal de crescimento via consumo das famílias  2015, uma vez que os efeitos das recentes elevações da SELIC deverão ser ainda maiores até o final do ano.

Fontes: Taxa de Juros (SELIC-Over): BCB.
Endividamento das famílias excluindo crédito habitacional: BCB (Série 20400 do SGS).

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Uma análise do comportamento recente da inflação

O gráfico abaixo mostra o índice de difusão do IPCA, ou seja, o percentual de itens da cesta de bens investigada pelo IBGE que registrou alta de preços de qualquer magnitude em relação ao mês anterior ao de referência (suavizada através da média móvel em 12 meses) e o índice cheio do próprio IPCA (acumulado em 12 meses). Dito de outra forma, o primeiro mostra o quão disseminada encontra-se a inflação.

IPCA e seu índice de difusão
(Em %)

A correlação entre ambas as séries permite entender alguns fatos interessantes sobre a condução recente da política monetária do Brasil. Até 2010, as duas variáveis apresentavam movimentos bastante semelhantes, ou seja, as flutuações do IPCA eram condizentes com o índice de difusão. Desde então, houve dois descasamentos. No primeiro deles, ocorrido entre o final de 2010 até o fim de 2011, o IPCA mostrou-se acima do índice de difusão. A hipótese levantada aqui é de que o impacto da elevação do preço dos alimentos, ocorrido naquela oportunidade, tenha sido significativo (ápice da cotação das commodities no mercado internacional). Nesse período, de fato, o grupo “Alimentos e Bebidas” apresentou um forte incremento, conforme destacado no gráfico abaixo. Como o peso dessa categoria na cesta do consumidor é bastante elevada, sua influência foi importante.

IPCA de Alimentos e Bebidas
(Var. % acumulada em 12 meses)

No segundo descolamento, ao longo de 2012 e 2013 e durante uma boa parte de 2014, o IPCA permaneceu bem abaixo do índice de difusão. Pela correlação histórica entre as duas séries, deveríamos ter observado uma inflação gravitando, na maior parte do tempo, entre 7,0 e 7,5% a.a.. O que aconteceu então? Esse período coincide exatamente com o controle mais rígido dos preços administrados por parte do governo (principalmente sobre energia elétrica, transporte urbano e combustíveis) para evitar que a inflação rompesse o teto da meta (6,5% a.a.), uma vez que o IPCA encontrava-se muito pressionado em função dos preços livres, conforme o gráfico abaixo.

IPCA - Preços livres x Monitorados
(Var. % acumulada em 12 meses)


Naquele momento, os preços livres subiram, novamente, por conta dos alimentos e bebidas, que chegaram a crescer numa base de 14% a.a. no acumulado em 12 meses, conforme o gráfico abaixo.

IPCA de Alimentos e Bebidas
(Var. % acumulada em 12 meses)
 
O represamento dos preços monitorados acabou gerando problemas de caixa para as prestadoras dos serviços públicos. Como não havia mais possibilidade de mantê-lo, o governo tem promovido o atual “realismo tarifário”, e, por esse motivo, o preço dos administrados disparou. Esse tem sido o principal fator de pressão sobre o IPCA, que atualmente está num patamar superior a 8,2% a.a..

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Papo de Economia #1 - Entrevista com Adolfo Sachsida

Papo de Economia #1

Entrevista com o professor Adolfo Sachsida com uma análise da conjuntura econômica nacional e internacional.

SoundCloud: Acesso aqui

quinta-feira, 16 de abril de 2015

A defasagem da competitividade brasileira

            Anualmente, o World Economic Forum (WEF) divulga um índice de competitividade global para um total de 148 países. A vantagem do uso desse indicador diz respeito a sua abrangência, uma vez que inúmeros fatores são levados em conta para a composição de um ranking global. Os valores são construídos com base em entrevistas conduzidas com mais de 14.000 executivos em todas as partes do mundo. A edição mais recente (2014-2015) utiliza informações referentes ao ano de 2013.

            Ao todo, são 12 grandes quesitos que incluem: (i) instituições, (ii) infraestrutura, (iii) ambiente macroeconômico, (iv) saúde e educação primária, (v) educação secundária e treinamento, (vi) eficiência do mercado de bens, (vii) eficiência do mercado de trabalho, (viii) desenvolvimento do mercado financeiro, (ix) velocidade de implementação tecnológica (technological readiness), (x) tamanho do mercado, (xi) sofisticação dos negócios e (xii) inovação. Cada um desses pilares é avaliado sob a ótica de diversos indicadores com base nas notas fornecidas pelos respondentes. Uma breve análise dos mesmos permite afirmar que importam tanto os elementos da "porta para dentro" quanto da "porta para fora" do processo produtivo das empresas.

            O Brasil está na 57ª posição, atrás de importantes pares internacionais, como Rússia (53º), Chile, (33º), China (28º), Coreia do Sul (26º), e Singapura (2º). Entre os fatores mais problemáticos para o ambiente de negócios no nosso País estão os já conhecidos entraves estruturais associados ao chamado “Custo Brasil”, como: (i) má qualidade da legislação tributária, com 18,2% das respostas, (ii) excesso de regulações no mercado de trabalho (15,0%), (iii) oferta inadequada de infraestrutura (15,0%), (iv) elevada carga tributária (13,5%) e (v) burocracia governamental ineficiente (12,8%).

            O gráfico abaixo mostra a relação entre o ranking internacional do indicador de competitividade com o Produto Interno Bruto para cada país (em dólares correntes, para fins de comparação, do ano de 2013). O Brasil está destacado no ponto laranja. Há uma clara correlação positiva entre as variáveis, ou seja, maiores níveis de competitividade estão associados, na média, a maiores níveis de geração de riqueza. Vale destacar também que a linha que melhor se ajusta aos pontos é exponencial. Isso significa, nesse caso específico, que avanços de uma nação em comparação com outras na competição internacional são mais do que compensados pelo PIB per capita.

Ranking de competitividade do WEF e PIB per capita
(Posição no ranking mundial e US$ correntes - 2013)
Fonte: WEF e Banco Mundial.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

O perigo da inércia inflacionária

A inércia inflacionária pode ser definida como a tendência que a inflação possui em persistir no futuro. Um dos principais mecanismos que geram essa resistência para baixo da mesma diz respeito à indexação. A história econômica das décadas de 1980 e da primeira metade da década de 1990 do Brasil mostra que esse foi um elemento fundamental para desencadear o processo de hiperinflação.

Como funciona a indexação? Periodicamente, muitos salários, aluguéis e contratos de prestação de serviços são reajustados com base em algum índice de preços pré-estabelecido para um determinado período de tempo, com o objetivo de equalizá-los diante do novo poder de compra da moeda. Toda a inflação acumulada até então acaba sendo carregada para o futuro. Além disso, convém lembrar que conforme o nível de preços acelera, o mecanismo em questão se torna ainda mais nocivo para o correto funcionamento da economia.

O gráfico abaixo mostra a variação efetiva do IPCA acumulado nos últimos 12 meses no eixo vertical, de acordo com os dados do IBGE, e a inflação projetada pelo mercado financeiro para os próximos 12 meses a partir do mês de referência, conforme as informações do relatório FOCUS do Banco Central, no eixo horizontal. Os dados são mensais para o período entre janeiro de 2004 e março de 2015. O que se percebe é que há uma correlação positiva entre as variáveis: ou seja, maiores inflações hoje estão, geralmente, associadas a uma inflação maior no futuro.

IPCA efetivo nos últimos 12 meses e variação projetada para o IPCA nos próximos 12 meses em relação ao mês de referência - em %

Para 2015, espera-se uma inflação bastante elevada: 8,2% ,conforme o relatório FOCUS mais recente (02 de abril). Tendo em vista os efeitos da inércia inflacionária, isso deverá comprometer, e muito, o anúncio de que, em 2016, a autoridade monetária entregará uma inflação no centro da meta (4,5% a.a.). Se o Banco Central deseja, de fato, cumprir com essa promessa, os juros deverão subir muito, contribuindo para debilitar ainda mais a atividade econômica.

Fonte: IPCA - IBGE (Série 433 do SGS - BACEN)
Expectativas de mercado para o IPCA. (Link aqui)

sexta-feira, 3 de abril de 2015

A relação entre a taxa de desemprego e os rendimentos dos trabalhadores

O post de hoje trata sobre a relação entre salários e o desemprego.

O gráfico abaixo mostra as séries da taxa de desemprego e o rendimento médio real, ou seja, já descontando o efeito da inflação de cada mês (ambas suavizadas a partir da média móvel em 12 meses), de acordo com os dados da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE. Percebe-se uma forte correlação negativa entre as séries, ou seja, na medida em que o desemprego caiu nos últimos anos, o poder de compra dos trabalhadores aumentou, e vice-versa.

Taxa de desemprego e rendimento médio real dos trabalhadores
(Em % e R$ - Média móvel em 12 meses)

Como é possível explicar essa configuração do ponto de vista econômico? Uma taxa de desemprego elevada indica que há uma grande disponibilidade de mão de obra no mercado. Em outras palavras, há um excesso de oferta desse fator de produção. Nesse tipo de situação, os trabalhadores estão dispostos a aceitar as escassas ocupações, mesmo que isso se dê com uma remuneração mais baixa. Também é possível analisar essa questão pela ótica da lei da oferta e da demanda: excesso de oferta acarreta na redução do preço de equilíbrio - nesse caso, os salários.

Na medida em que a taxa de desemprego começa a cair, seja por um crescimento econômico que incorpore a mão de obra ociosa, ou mesmo pela redução da oferta de trabalhadores no mercado, as empresas acirram a competição por esse fator de produção. A alternativa para atrair trabalhadores cada vez mais disputados se dá via elevação dos salários.

O que podemos esperar para o comportamento de ambas as variáveis em 2015? A taxa de desemprego aumentou nos últimos dois meses (em fevereiro, atingiu 5,9%, valor mais alto desde junho de 2013), e a tendência é de alta para restante do presente ano, em função da recessão que atinge a economia brasileira e, possivelmente, de outros fatores, como a alteração nas regras do seguro-desemprego e do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), que tornam a requisição desses benefícios mais difícil. Dessa forma, os rendimentos reais deverão cair em termos reais. Entre outros impactos, as vendas do comércio deverão ser impactadas negativamente. Além disso, a diminuição dos salários faz com que as instituições financeiras se tornem mais seletivas para a concessão de crédito, provocando uma retração da demanda agregada.

Fonte: Taxa de desemprego - IBGE (Tabela 2176 do SIDRA)
Rendimento Médio Real - IBGE (Tabela 2181 do SIDRA)